Joe e John Henry são muito parecidos. Ambos gostam de jogar ao berlinde, ambos querem serbombeiros, e os dois adoram nadar. Mas há uma coisa muito importante em que eles são diferentes: Joe é branco e John Henry é negro e, no Sul, em 1964, isso significa que a John Henry não é permitido fazer tudo o que o seu melhor amigo faz. Mas certo dia é aprovada uma lei que proíbe a segregação e abre a todos a piscina municipal. Joe e John Henry estão tão entusiasmados … Contudo, descobrem que é preciso bem mais que uma lei nova para mudar os corações das pessoas. ohn Henry Waddell é o meu melhor amigo. A mãe dele trabalha para a minha. O nome dela é Annie Mae. Todas as manhãs, às oito horas, Annie Mae desce do autocarro e sobe a longa ladeira até a minha casa. Se for verão, John Henry segue-a, saltitando. Ambos gostamos de ajudar Annie Mae. Descascamos feijão-manteiga, varremos o alpendre e deixamos entrar os gatos… Depois, enxotamo-los para fora da casa até que Annie Mae diga “Xô! Já basta! Vão brincar!” Jogamos ao berlinde, deixando que o calor quase nos sufoque. Depois gritamos “o último a chegar é um ovo podre!” e corremos direitinhos para as águas do riacho.
O John nada melhor que qualquer um. Nada como um peixe-gato, faz bolhinhas como um monstro do pântano, mas não nada na piscina municipal comigo. Não lhe é permitido. Portanto, fazemos um dique no riacho com pedras e paus para formar um sítio onde podemos nadar os dois. Depois, gritamos e atiramo-nos lá para dentro! A pele do John é da cor da manteiga dourada. E cheira sempre a agulhas de pinheiro depois de uma boa chuvada. A minha pele é da cor das traças pálidas que dançam em redor das luzes do alpendre, à noite. O John diz que eu cheiro a uma meia acabadinha de lavar. — Ao ataque! — grito. J Revolvemos a água como um furacão e rimos até a barriga nos doer. Depois, flutuamos de costas e lançamos jatos como as baleias. — Vou ser bombeiro quando crescer — digo. — Eu também! — diz o John. Tenho dez cêntimos para sorvetes, por isso vestimo-nos e caminhamos até à cidade. Mas o John não entra comigo pela porta da frente do armazém de Sr. Mason. Não lhe é permitido. — Como vais, Joe? — pergunta o Sr. Mason.
Pisca-me o olho e acrescenta: — Vais comer tudo isso sozinho? O meu coração sobressalta-se. — Um deles é para um amigo — digo, e apresso-me porta fora. — Sim senhor, está mesmo calor lá fora! — refere ainda o Sr. Mason. — Adoro sorvetes! — diz o John. — Eu também! — respondo. Todas as noites Annie Mae faz o jantar para a minha família. Prepara o milho para a sopa e estende a massa dos biscoitos. O meu pai mistura bem o seu chá gelado e comenta: — A piscina municipal abre amanhã para todos para quem o sol nasce, qualquer que seja a cor da pele. — É a nova lei — diz a minha mãe. Serve-me de ervilhas e acrescenta: — É assim que vai ser agora — todos juntos nos restaurantes, nas casas de banho, e nas bicas de água também. Eu agito-me na cadeira. — Desculpem! — grito para os dois e corro para a cozinha para contar ao John. — Vou nadar na piscina municipal! — grita ele. — Será que é funda? — MESMO muito funda — digo-lhe. — E a água é tão transparente que podes ir até ao fundo, abrir os olhos e ainda consegues ver. — Vamos ser os primeiros! — diz o meu amigo. — Vou levar a minha moeda da sorte, e assim podemos mergulhar para a apanhar.
Na manhã seguinte, logo que o sol espreita, lá vem o meu melhor amigo, John Henry Waddell, corre-que-corre para se encontrar comigo. — Vamos lá! — grita — já tenho a minha moeda! E eu corro ao lado dele até à piscina municipal. Corremos ao desafio até chegar à última colina e… estacamos. Lá estão os camiões de recolha de entulho. Trituram tudo e vão repetidas vezes até à piscina vazia. Os operários espalham asfalto fumegante dentro do buraco onde dantes costumava haver uma água límpida e brilhante. Um deles é o irmão mais velho do John, Will Rogers. Começamos a chamá-lo mas ele vê-nos primeiro e aponta para a rua lá em baixo — o que quer dizer “Vão para casa!” Mas os nossos pés estão presos, não conseguimos mexer-nos. Acocoramo-nos entre as ervas altas e ficamos ali, a ver tudo durante a manhã, até que a piscina fica cheia de alcatrão quente e esponjoso. Sssssss! Um vapor fumegante eleva-se no ar. Os operários atam uma espécie de pranchas de madeira aos sapatos e pisam a superfície negra para a alisar. Will levanta a sua pá e coloca-a na parte de trás de um camião vazio. Sobe juntamente com os outros trabalhadores. A sua cara lembra uma nuvem de tempestade, e tenho a certeza que este trabalho o fez ficar muito zangado. — Vamos! — grita um dos chefes.
E os camiões lá vão roncando com estrondo rua abaixo. Agora está tudo tão calmo que até se consegue ouvir os sussurros da brisa por entre as ervas. Sentamo-nos na prancha e olhamos fixamente para o topo das escadas cor de prata que sobressaem acima do alcatrão. O coração bate forte no meu peito. A voz do meu amigo é trémula. — Os brancos não querem as pessoas de cor na piscina deles. — Estás enganado — digo, mas sei que ele tem razão. — Vamos regressar — acrescento. — Afinal de contas, eu nem queria nadar nesta piscina velha. Os olhos do John enchem-se de lágrimas de raiva. — Eu queria… — diz ele. — Eu queria nadar nesta piscina. Eu quero fazer tudo o que tu podes fazer. Não sei o que responder. Mas enquanto voltamos para a cidade, a minha cabeça começa a fervilhar de novas ideias. Quero ir à leitaria com o meu amigo, sentar-me e partilhar um refrigerante e uma bola de gelado. Quero ir com ele ao cinema, comprar pipocas e ver o filme. Juntos. Quero ver esta cidade pelos olhos do John.
Paramos em frente à loja do Sr. Mason. Aperto as mãos dentro dos bolsos enquanto tento encontrar palavras que traduzam as minhas novas ideias. Os meus dedos fecham-se em volta dos dez cêntimos. — Queres ir comprar um sorvete? — pergunto. O John enxuga os olhos e respira fundo. — Quero ser eu a ir comprá-lo! Engoli em seco e o meu coração disse que sim. — Vamos lá ! — respondo. Dou ao John uma das minhas moedas. Ele abana a cabeça. — Eu tenho uma. Olhamos um para o outro. Depois, entramos juntos pela porta da frente. ♣♣♣ Nota da Autora No início dos anos sessenta, o Sul dos Estados Unidos era, desde há muito, um lugar onde os negros americanos não podiam beber das mesmas fontes que os brancos, frequentar as mesmas escolas, ou desfrutar das mesmas áreas públicas. Depois, a Lei dos Direitos Civis de 1964 foi promulgada. E declarava que “Todas as pessoas terão direito ao usufruto total e igual” de todas as zonas públicas, independentemente da “raça, cor, religião, ou origem.” Nasci branca em Mobile, no Alabama, e passei os verões com os meus familiares no Mississippi.
Quando a Lei dos Direitos Civis foi aprovada, a piscina municipal fechou. Assim como o rinque de patinagem e a gelataria. Em vez de dar, legalmente, aos negros, os mesmos direitos e liberdades dos brancos, muitos negócios no Sul preferiram encerrar portas em sinal de protesto. Alguns deles fecharam para sempre. No verão de 1964, os defensores dos Direitos Civis no Mississippi organizaram o “Verão da Liberdade,” um movimento a favor do registo dos americanos negros para poderem votar. Foram tempos de mudança e de grande violência racial. E foi o verão em que comecei a ter consciência do que se passava: reparava que os negros usavam a porta das traseiras, eram atendidos apenas quando já todos os brancos o tinham sido, e eram maltratados, tudo por causa da cor da pele … e apesar do que qualquer lei dissesse. Compreendi que, para um branco, o ter assumidamente um amigo negro, e vice-versa, podia ser uma coisa perigosa. Não conseguia tirar estas ideias da cabeça e imaginava como seria ser uma criança negra da minha idade. Sonhava mudar as coisas e, no entanto, perguntava-me o que qualquer criança – branca ou negra – poderia fazer. Assim nasceu esta história que se baseia em acontecimentos reais.
Deborah Wiles Freedom summer New York, Aladdin Paperbacks, 2005 (Tradução e adaptação)