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CLUBE DA HISTORIA EM : O Tesouro da Pega

 Era uma vez uma pega que passava o tempo todo à busca de alguma coisa, apanhando e amontoando no ninho todos os objetos brilhantes e coloridos que encontrava. — No final — criticavam-na as outras aves —, nem ela nem os filhotes vão caber no ninho. As “joias” da pega eram bocados de espelhos ou adornos sem qualquer valor que ia encontrando espalhados por aqui e por ali, mas andava encantada por ter semelhante tesouro. Às vezes, entrava pelas janelas das casas, pegava numa joia realmente valiosa e, então, tinha sérios problemas, porque algumas pessoas vinham até ao seu ninho, revistavam-no e levavam a joia, destruindo-lhe, entretanto, o lar.

E a pega tinha de fugir para longe e fazer outro ninho num outro lugar onde não a conhecessem. Era até capaz de tirar ovos e filhotes às outras aves. — Sabes que a pega da árvore daqui em frente tirou a comida do ninho da perdiz? — É intolerável! — exclamavam todas as aves. — E até dizem que é capaz de tirar os ovos e os filhotes às outras. — Será possível? Que grande passarona! — gritavam em coro. — Pois tenhamos cuidado com ela. Não devemos deixar que se aproxime. Mas a pega é assim mesmo. Não consegue evitar. Assim que vê alguma coisa brilhante e colorida nalgum sítio, agarra-a com as suas pequenas garras e Ieva-a. Ninguém sabe porque o faz. Ela também não, mas adora acumular toda a espécie de coisas. Sobretudo as que brilham.

Às vezes, mira-se num bocado de espelho que uma menina partiu e, outras vezes, distrai-se tanto a contemplar um adorno de Natal que encontra na lixeira, que não se lembra de ir buscar comida para os filhotes! E, quando não tem comida, põe-se a ver a que ninho pode ir roubá-la… Assim, as outras aves passam o dia a criticar a pega. Se calhar, é por isso que tem tanto empenho em reunir tesouros. Como as outras aves não se importam com ela, consola-se à procura das coisas que lhe parecem tão bonitas… E sempre que encontra uma, fica muito contente. Como está quase sempre sozinha, só se distrai com o seu tesouro.

Por isso gosta tanto dele… Uma vez, um velho professor, que sabia muito sobre a vida dos pássaros, apanhou uma pequena pega ferida e levou-a para casa. Era preta, com reflexos azulados por cima, e branca no peito. Tinha uma cauda de um palmo e um bico fino e comprido. Era muito bonita. Ele curou-a e a pega habituou-se a dormir num ninho que construiu no desvão mais elevado da casa, junto à janela de onde se via o campo. Fê-lo com raminhos, forrou-o de barro recoberto com pequenas raízes do campo para que ficasse aprazível e, no fim, pôs-lhe um teto também de raminhos. Saía e entrava quando queria. O velho sábio visitava-a e falava com ela. E, quando estava demasiado frio para ir em busca de alimento, deixava-lhe uns grãos de trigo, pão molhado e restos de comida ao pé da janela. Fizeram-se amigos. Ela deixava até que o velho pegasse nela e lhe fizesse festas, e isso era muito estranho, porque as pegas são como os corvos e não se deixam apanhar. Dão umas bicadas tremendas! Decorreu algum tempo. Mas o mais estranho era que aquela pega não mostrava qualquer interesse em juntar coisas brilhantes no ninho.

De propósito, o professor deixava bolinhas de papel dourado ou vidros coloridos ali por perto. Mas ela não lhes ligava nada. E também não ia buscá-los lá fora. No inverno, preferia esvoaçar em volta do velho sábio. Observava-o a cozinhar e a trabalhar. Como a cozinha era bem quentinha, ela lá estava sempre, olhando para tudo com curiosidade. E o sábio dava-lhe todos os dias a comer na mão alguma guloseima…, Que contente e amistosa se sentia ela! — Toma lá um mosquito. Gostas, hem? — dizia-lhe o velhote. — Podes ficar com ele para o lanche. Quando lhe apetecia sair, a pega voava para o bosque a juntar-se às outras aves. Quando acabava o inverno e começava a primavera, reunia-se às outras pegas pretas e brancas como ela. O velho sábio olhava de longe e chegava a ver até cem companheiras da sua amiga a esvoaçarem e a palrarem entre si na linguagem dos pássaros. Um dia, a ave voltou com um “pego” para casa do velho e tiveram filhotes.

E, enquanto a pega ia para o campo à procura de comida, o seu companheiro dedicava-se a apanhar todas as coisas que o velho tinha deixado espalhadas, de propósito, no desvão. Mas quando, um dia, a pega chegou e viu o ninho cheio de objetos brilhantes, logo começou a atirá-los para fora. E quando o seu companheiro se aproximou dela, começou a dar-lhe bicadas: para que queriam I I I I PIN I I I l l todas aquelas coisas inúteis em casa? Como se não estivessem bem no seu ninho quentinho e com telhado! O velho professor escreveu uma história sobre uma pega que tinha deixado de andar à procura de tesouros… E tal relato pareceu tão estranho aos outros sábios, que muitos se deslocaram a casa do colega para ver essa tal pega. E decidiram colocar toda a espécie de objetos brilhantes no desvão e no jardim para verem se era verdade o que o velho dizia. A pega nada apanhava. E nada lhe interessava. Esvoaçava apenas, e pousava no ombro do velho amigo, olhando para todos aqueles senhores com cara de poucos amigos. Enquanto eles lá estiveram, nunca deixou de estar perto do velho sábio. Até que, finalmente, todos partiram. E foram também eles escrever a história da pega que não precisava de juntar tesouros….

Dr. Eduard Estivill e Montse Domènech Histórias que ajudam a crescer Alfragide, Lua de Papel, 2008 (Adaptação)