Estamos em dezembro.
Dezembro é o nome do último mês do ano. Os outros meses chamam-se:
janeiro
fevereiro
março
abril
maio
junho
julho
agosto
setembro
outubro
novembro.
Ei! Tantos! Quase fiquei cansada. E escrevi-os de seguida, sem me enganar.
Parecem soldadinhos, em fila, todos direitos.
Na minha casa, o mês mais importante é dezembro porque foi quando eu nasci. E como era o tempo do Natal, a minha avó quis que eu me chamasse Natalina. Assim festejamos duas coisas importantes: os meus anos e os do Menino Jesus.
Fazer anos é bom: fica-se mais alto e recebem-se muitas prendas.
O ano passado deram-me uma camisola, seis livros, uma caixa de lápis, grande, um batom e um verniz para as unhas, a fingir, para quando brinco às senhoras crescidas. O vizinho Manuel, da frutaria, deu-me uma laranja. Foi a prenda de que mais gostei. Era tão grande que parecia o sol. Eu nunca tinha visto uma laranja assim: a casca lisa, muito brilhante. Quando já ia descascá-la pareceu-me que alguém me chamava. Olhei na direção do presépio, pois a voz era dali que vinha.
Deitado nas palhinhas, de braços abertos, o Menino Jesus lá estava, com aquela tão poucochinha roupa que fazia frio só de olhar. E esta, hein!, pensei eu de repente, como se me tivessem dado uma pancada dentro do peito. Festas daqui, prendas dali, embrulhos, laços, Natal nas montras, Natal na televisão, Natal, Natal nas pressas de toda a gente e não é que também na minha casa ainda ninguém se lembrou que, além de mim, Natalina, este Jesus, nu, descalço, deitado em palhinhas duras também fez anos e, como todas as crianças, há de gostar de uma prenda?!…
Olhei a laranja.
Peguei nela e, devagar, fui colocá-la nas suas mãozitas abertas que pareciam mesmo estar à espera de um sinal de amor.
De repente, que veem os meus olhos?
A laranja começa a encher-se de luz. Tanta luz. Parecia uma laranja de vidro. E na luz e claridade dessa bola mágica, viam-se os rios e os mares; as terras de África e as terras da América; os meninos negros e os meninos índios; os meninos de Moçambique a dizerem “tá-tá” como quem diz adeus e os meninos de Timor a rezarem em português. Também se viam as grandes neves e os grandes desertos e as estrelas a deslocarem-se depressa num céu de muitas cores como nos filmes de ficção científica.
Eu nem queria acreditar no que me estava a acontecer e o meu coração parecia um passarinho com susto.
Quando aquele filme acabou olhei muito séria para Jesus. E Ele sorria. Sorria-me.
O sorriso dele era mais morno que o sol, mais fofinho que a camisola nova.
E foi assim, com este segredo de sumo e luz que eu, Natalina, vi coisas de conto de fadas e ganhei um amigo para sempre.
Depois desse dia, dezembro ainda ficou mais importante.
E só por causa de uma laranja.
Maria Rosa Colaço