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CLUBE DA HISTORIA EM : O Homem das latas

O Homem das latas sem abrigo empurrava devagar o seu gasto carrinho de compras pelo passeio abaixo. Parou no contentor da esquina e remexeu o lixo com um pau comprido. Inclinou-se sobre o contentor e desenterrou lá de dentro uma lata vazia de refrigerante, que deixou cair dentro do carrinho. À medida que se aproximava de Tim, o homem acenou. Tim retribuiu-lhe o aceno com um sorriso. Quase toda a gente chamava a este homem “O Homem das Latas”. Mas os pais de Tim não. — Ainda nos lembramos de quando o Sr. Peters vivia no apartamento 3C — disse a mãe. — Ele costumava trabalhar na oficina de reparação de automóveis antes de esta ter fechado, e não conseguiu arranjar outro emprego.

Tem tido pouca sorte! — Está a ficar frio… — disse o Homem enquanto o carrinho chocalhava com o barulho das latas. Tim olhou para o céu cinzento. — Está sim, está mesmo! — respondeu ele. Apertou o fecho do casaco até cima e enfiou as mãos nos bolsos. Alguns minutos mais tarde, Mike chegou a sibilar no seu skate, as bochechas vermelhas do frio. — Queres ir andar de skate no parque? — perguntou ele. Tim abanou a cabeça. O — Náa…. Não tem piada nenhuma estar sempre a pedir a tua prancha velha emprestada e o equipamento antigo do teu irmão. — Pode ser que recebas a tua própria prancha no teu aniversário, na próxima semana! Tim encolheu os ombros. — O meu pai diz sempre que este ano não nos sobra dinheiro para brinquedos ou coisas de desporto. Há demasiadas contas para pagar. — Que pena! — disse Mike.

E disparou escada abaixo. — Até logo. Tim observou o amigo a ir embora a toda a velocidade. Em silêncio, desejou ter uma prancha de skate no seu aniversário, mesmo sabendo que os desejos só muito raramente se concretizam…E ele sabia exatamente qual a prancha que queria! Tinha andado a deitar-lhe o olho na Overtime Sports durante meses, e agora ia entrar em saldo. Mas mesmo com o preço reduzido — e com o dinheiro que Tim tinha poupado da mesada — a prancha era ainda demasiado cara. “Preciso de um emprego, pensava Tim um tanto sombriamente, para conseguir ganhar dinheiro e comprar a prancha de skate.” Pela rua abaixo, o Homem das Latas colocou mais duas latas no seu carrinho. As latas vazias bateram na pilha que ia crescendo, tilintando como as moedas no porquinho mealheiro da irmã mais nova de Tim.

E o som deu a este uma ideia… Sábado de manhã, bem cedo, Tim apressou-se a vestir-se. Na cozinha, pegou num par de luvas de borracha e em quatro sacos grandes de plástico. — Que andas tu a preparar? — quis saber a mãe. — Tenho trabalho! — respondeu Tim. Depois, acrescentou com um largo sorriso: — Mas não te preocupes. Estou em casa a tempo do almoço. Lá fora, o ar frio levantou os pelos dos braços de Tim que logo se dirigiu ao primeiro balde do lixo no passeio. Mesmo por cima havia uma lata vazia. Depois de ver noutros contentores, Tim enchera já meio saco. Ao preço de cinco cêntimos a lata, supunha que ia arranjar dinheiro suficiente para uma prancha de skate num abrir e fechar de olhos.

A alguns quarteirões do parque, Tim parou para falar com o Jamal da padaria Brunus. — Tens algumas latas de refrigerante vazias? — perguntou Tim. — Habitualmente guardo-as para o Homem das Latas — disse Jamal. — Ele precisa delas. — Eu também preciso. Vou usar o dinheiro para comprar uma prancha de skate para mim, no meu aniversário! — explicou Tim. — Até posso trabalhar para receber as latas. — Bom… — Jamal hesitou alguns momentos. — Talvez só desta vez. Tenho alguns caixotes que podes trazer para as traseiras. — Combinado! — respondeu Tim. Depois de ter transportado os caixotes e recebido as latas como pagamento, Tim correu rua abaixo, parando em cada balde de lixo, loja, e restaurante.

Ao meio-dia já tinha dois sacos cheios de latas. Foi a bater com eles pelas escadas do seu prédio acima e pousouas com ruído no degrau de cima. Recolher latas era, ainda assim, mais difícil do que Tim imaginava. As suas luvas estavam peganhentas, e as roupas cheiravam ao refrigerante sem gás que tinha entornado sobre si próprio. Mas a ideia de uma prancha novinha em folha fê-lo sorrir… Em breve iria ter uma só dele! Já não teria que pedir a prancha ao Mike. — O que tens aí? — perguntou a mãe quando ele arrastou as latas para dentro da cozinha. — Latas para reciclar. Estou a juntar dinheiro para uma prancha de skate. — E não é o Sr. Peters quem geralmente recolhe as latas por aqui? — volveu a mãe. Desconfortável, Tim acenou que sim. — Sim. Mas eu só vou querê-las até ao dia dos meus anos. — Bom, não podes guardá-las aqui — disse a mãe. — Leva-as para a cave, e depois vai lavar-te para o almoço. Tim sabia que não valia a pena discutir.

Por isso, fez rebolar os sacos pelas escadas abaixo até à cave. No domingo seguinte, Tim apressou-se a correr de um balde do lixo malcheiroso para outro, recolhendo mais latas vazias. No resto da semana, teve que esperar até ao final das aulas. Sabia que o Homem das Latas fazia sempre o mesmo percurso e, por isso, começou na direção oposta. Dessa forma conseguiria chegar a alguns contentores de lixo antes dele. Alguns dias depois, num sábado, Tim acordou com um chuvisco gelado a escorrer pela sua janela abaixo. A resmungar, lá conseguiu arrastar-se para fora da cama até à cozinha. O pai deu-lhe umas pancadinhas no ombro. — Paciência, Tim! — disse ele. — Parece que hoje vais ter que ficar por casa. — Mas esta é a minha última oportunidade de arranjar mais latas! — protestou Tim. — Não posso deixar que uma simples chuvinha me impeça.

O pai olhou pela janela. — Tudo bem, mas não fiques lá fora durante muito tempo. No passeio, Tim remexeu alguns contentores de lixo. A chuva fazia que o lixo cheirasse ainda pior do que o costume, e não conseguiu encontrar uma única lata. Mantendo a cabeça baixa para a proteger da chuva fria, Tim correu até ao contentor de lixo seguinte. Tumba! Tim levantou a cabeça. — Oh, desculpe! — exclamou. — Estás bem, miúdo? — perguntou o Homem das Latas. — Sim. Claro. Tim olhou para o carrinho. Tudo o que viu foi um balde de tinta velha e umas poucas latas de refrigerante vazias. Sibilando, a chuva trespassava-os. — Não tenho encontrado muitas latas ultimamente — disse o Homem, a remexer com o seu pau no contentor. — E tu, como é que estás a sair-te? Tenho-te visto cá por fora… — Tenho sete sacos cheios delas em casa. — Sete? — disse o Homem das Latas, de olhos arregalados. — O meu aniversário é amanhã — explicou Tim. — Vou usar o dinheiro para comprar uma prancha de skate. E o senhor, para que anda a recolhê-las? O Homem das Latas encolheu os ombros. — Não me importava nada de ter um casaco novo antes que a neve comece a cair. Tim engoliu em seco. — Oh…. — Bem, miúdo. Vemo-nos por aí.

E o Homem empurrou o carrinho pelo passeio abaixo, com o seu casaco rasgado a esvoaçar a cada passo que dava. Quando a chuva parou, Tim telefonou a Mike. Depois, arrastou os sacos de latas desde a cave até à frente do seu prédio. Sentou-se nos degraus, à espera. Mike apareceu no seu skate. — Parece-me que vais ter aí o bastante para uma prancha quando fores entregar essas latas… — disse ele. Tim assentiu. — Acho que sim. Os rapazes olharam para cima à medida que o chocalhar do carrinho do Homem das Latas se aproximava deles. Este parou no fundo das escadas. — Precisas de ajuda com os teus sacos? — Está bem, agradeço — disse Tim. Carregaram os sacos para o carrinho, e o Homem das Latas empurrou-o enquanto Tim e Mike mantinham a pilha direita para não cair.

No centro de recolha, foi preciso muito tempo até que Tim e Mike colocassem todas as latas na máquina. Tim recolheu as suas moedas num saco de papel que tinha levado com ele. Quando os rapazes acabaram de depositar as latas, o Homem das Latas já tinha ido embora. Tim olhou lá para fora. Vindos do céu, pequenos flocos de neve salpicavam tudo, polvilhando levemente o parque de estacionamento. Tim abanou o saco que continha o dinheiro. As moedas chocalharam como um carrinho cheio de latas vazias. De repente, Tim dirigiu-se para o exterior. — Ei, onde vais? — chamou-o Mike que foi logo atrás dele.

Tim correu até conseguir apanhar o Homem das Latas. Segurando o saco com as moedas, Tim disse quase sem respirar: — Este dinheiro é para si. O Homem fitou-o com surpresa. — Mas tu ganhaste-o. Trabalhaste muito para ganhar esse dinheiro. — Talvez — respondeu Tim. — Mas eu gostaria que ficasse com ele. O Homem das Latas pestanejou. Dir-se-ia que alguns flocos de neve lhe tinham entrado nos olhos… — Obrigado, miúdo. Qual é o teu nome, afinal? — Tim — respondeu o rapaz. — Obrigado, Tim. Chamo-me Joe Peters — disse o Homem das Latas a sorrir. — Eu sei — exclamou Tim. — A minha mãe e o meu pai lembram-se do senhor de quando vivia no nosso prédio. O sorriso do Homem das Latas apagou-se. — Isso já foi há muito tempo…— disse num suspiro. Depois, chocalhou o saco das moedas. — Obrigado mais uma vez! — Não tem que agradecer! — disse Tim. Antes de entrar em casa, Tim deixou-se cair nas escadas em frente ao seu prédio.

Não iria ter uma prancha de skate pelos seus anos. Mas isso já não lhe interessava assim tanto… No dia seguinte, com umas calças de ganga novas de presente de aniversário, Tim passeava lá fora, de um lado para o outro à espera de Mike. De repente, os seus pés chocaram contra um grande saco de plástico. Estava fechado, bem apertado com uma longa corda presa a uma lata vazia de refrigerante. Tim deu um leve pontapé no saco. Havia alguma coisa dentro dele. Desamarrou a corda e espreitou. — Uma prancha! — disse quase sem fôlego. Muito devagar, percorreu com as mãos a madeira pintada e girou as rodas.

A prancha não era nova, mas estava arranjada com uma camada fresca de tinta e as rodas estavam oleadas. Até tinha o seu nome habilmente pintado no fundo! Nesse preciso momento Tim ouviu o tilintar do carrinho do Homem das Latas. Enquanto se aproximava, este olhou para cima e acenou. — Feliz aniversário, Tim! — desejou ele a sorrir. Também com um grande sorriso, Tim acenou-lhe de volta com a sua nova prancha. — Obrigado, Sr. Peters. Muito obrigado!

 

Laura E. Williams The Can Man New York, Lee&Low Books, 2010 (Tradução e adaptação)