Quando acordara, Miyu, que mora em Kobe, sentia-se já desiludida com o mundo inteiro.
Na escola, não conseguiu distinguir entre os ideogramas “sol” e “água quente”, nem compreendeu onde se situavam Paris e Londres no mapa.
A professora ficara desapontada :
— E logo tu, que costumas ser tão boa aluna !
Miyu tinha ficado muito triste.
As suas tranças novas, feitas pela avó, atraíram as piadas dos rapazes:
— Essas tranças dão mesmo vontade de puxar o cabelo. E, se quiseres coçar a cabeça, ficas com um ar bem apatetado…
Para melhorar o dia, a embalagem do almoço estava mal fechada e abriu-se no fundo da mochila, misturando croquetes de arroz, lápis de cor, molho de soja e cadernos de exercícios.
— Que mixórdia horrível! — lamentou-se Miyu.
Claro que uma tal confusão não podia ficar por ali.
No caminho de regresso a casa, Miyu perdeu o comboio e teve de apanhar o comboio seguinte que era, na verdade, muito lento. Para cúmulo, só conseguiu encontrar lugar entre um homem que cheirava a cerveja e uma leitora de banda desenhada que cheirava a cerejas maduras.
Quando Miyu chegou a casa, a mãe riu-se da sua cara de descontentamento:
— Ó filha, pareces aquelas pessoas que se queixam por tudo e por nada!
E o pai disse apenas para a consolar:
— Do que tu precisas é de um bom banho!
“Os adultos não compreendem nada dos dramas da vida. Como se um banho fosse suficiente para resolver tudo! ” pensou Miyu.
Contudo, como o quarto de banho era o único lugar da casa onde se podia estar sozinho, Miyu decidiu refugiar-se debaixo de um duche quente…
— Vou derreter como um torrão de açúcar no chá e nunca mais me vão encontrar! — murmurou para consigo, pensando no castigo que isso seria para os outros.
Mas, pouco a pouco, o calor do banho começou a envolvê-la.
Miyu relaxou e um sorriso apareceu no seu rosto. Como é simples o que é bom …
O vapor de água elevou-se e Miyu desenhou um céu.
Depois, mergulhou mais profundamente na doçura do banho. Fechou os olhos e pensou “Estas nuvens são o céu. Posso tocar-lhes facilmente!”
Começou a mexer nas nuvens de vapor como se fossem massa de bolo e esculpiu os seus animais favoritos : um gato a espreguiçar-se, um cão rechonchudo, um golfinho de prata e ouro, ao qual disse:
— Serás o meu melhor amigo e iremos juntos para a escola!
Depois, desenhou uma paisagem com florestas de bambus cor-de-rosa, montanhas…
— Os cães beberão saqué (bebida fermentada tradicional do Japão à base de arroz), e as rãs tocarão o shamisen (instrumento de corda japonês) … Oh, a vida será bem divertida!
De repente, Miyu acordou no seu quarto.
— É estranho, mas não me lembro de me ter deitado depois do banho de ontem à noite! — exclamou.
Saiu da cama e foi até à cozinha.
A avó estava lá, como todas as manhãs. Parecia preocupada e murmurava sem parar:
— Que coisas estranhas estão a acontecer hoje no nosso país!
— O que se passa? — perguntou Miyu.
— Olha lá para fora! — pediu a avó.
A menina viu o monte Fuji coberto de vegetação cor-de-rosa. O mais estranho foi constatar que o pico nevado da montanha sagrada estava plantado no solo. De facto, não se percebia se o podíamos subir a caminho da terra ou descer a caminho do céu.
E se…
Miyu bebeu a sua chávena de chá com rapidez, correu para a entrada, pegou na mochila, calçou-se e abriu a porta ruidosa…
Diante de casa e flutuando delicadamente a um metro do chão, esperava-a um grande golfinho!
Miyu sorriu e exclamou :
— O dia de hoje vai ser maravilhoso!
Paris, L’Harmattan, 2012
(Tradução e adaptação)