Eu tinha sete anos e meio quando o meu visto foi carimbado, a 26 de julho de 1939. Houve aproximadamente 10000 crianças como eu que, no início da Segunda Guerra Mundial, vieram para a Grã-Bretanha. Algumas eram ainda bebés. A maioria de nós era judia. Cada uma tinha um lugar num transporte para crianças que nos levava para longe da Europa Nazista.
No final da guerra, alguns de nós puderam regressar para a família. Lamentavelmente, a maioria, não. Assim, acabámos por ficar nas nossas novas pátrias, onde crescemos, ou fomos distribuídos por novos países no mundo inteiro. D. M. S. Ì Naquela manhã, quase ninguém a bordo do barco quis tomar o pequeno-almoço.
Decorria o ano de 1939. Era o mês de julho. Estávamos num barco. Carregado de crianças que fugiam do perigo. Antes, esperara-nos um comboio em Hamburgo. Esperara-nos para nos levar para a Holanda. O meu pai e a minha mãe disseram-me que, depois, um barco me levaria para uma nova vida. Todos os pais choravam. Nós chorávamos também. Uma menina soluçava muito alto porque deixara cair o cãozinho de pelúcia. Estava caído na linha. Mas um senhor salvou-lhe o cão. Gritou “Apanha!” e atirou-lho. Ela agarrou-o, e nesse momento o comboio pôs-se em andamento. A menina parou de chorar — apertava o cãozinho com força. — Adeus! — acenou ao senhor. Ao fim de longo tempo, o comboio finalmente parou.
Um rapaz alto disse que já estávamos na Holanda. Sentámo-nos num prado verde e comemos pão com queijo. Cantámos uma canção para os holandeses que trataram de nós. Uma delas era sobre uma sereia. Deram-nos leite e chocolate, mas em breve a nossa viagem prosseguiu. Sem os pais, dormir no barco metia medo. Apenas os que tinham irmãos é que não estavam sozinhos. Durante a noite, muitos de nós perdíamo-nos: saíamos das cabines para ir ao quarto de banho e não conseguíamos encontrar o caminho de regresso. Até que finalmente chegámos. Descemos do barco com uma etiqueta ao peito onde estava escrito o nosso nome. O passadiço era de madeira. Eu via a água através das ripas e sentia-me atordoada.
Não queria prosseguir mas os outros atrás de mim empurravam-me para a frente. Fechei os olhos e agarrei-me com força ao corrimão. Seguia a tatear, com os olhos fechados. Finalmente, os meus pés tocaram na terra firme e desatei a chorar. Esperava-nos um outro comboio. Alguém disse que era um comboio inglês que nos levaria para Londres. Fomos recebidos por uma enorme multidão e alguns de nós fomos recolhidos por amigos ou familiares. Outros olhavam em volta, em busca de auxílio. Viam-se homens com máquinas fotográficas e pessoas com fotografias nas mãos. Fotos de crianças que levariam com eles até que, um dia, elas pudessem regressar a casa. Um homem e uma mulher olhavam com muita atenção para a fotografia que tinham. A senhora puxou pela manga do casaco do marido: — Olha! — exclamou. — É a nossa criança.
A menina com o laço vermelho e o cão grande de peluche. Foi assim que me reconheceram. O homem que os acompanhava falava alemão. Disse “Bem-vinda, linda menina.” Tudo o que eu sabia dizer em inglês era “Tenho um lenço no bolso.”/“ I have a handkerchief in my pocket.” E foi assim que comecei a aprender inglês. E, de cada vez que aprendia uma nova palavra, fixava-a a partir desta frase: — Tenho um cão no meu bolso. — Tenho uma casa no meu bolso. — Tenho um professor no meu bolso.
O casal era escocês. E tudo era estranho para mim. Na Alemanha, tinha uma cadeira na bicicleta do meu pai, mas em Edimburgo, onde passei a morar, andávamos de carro e tinha um cão a sério. Na Alemanha, não podia brincar com os meninos da minha rua por ser judia. Agora brincava com amigos novos, crianças escocesas. Ao fim de pouco tempo tratava a senhora por “mãe” e o senhor por “pai”. Mas os meus verdadeiros pais eram a “mãezinha” e o “paizinho”. Recebi por fim uma carta deles. “Temos imensas saudades tuas. Sê sempre amável e porta-te bem e não te esqueças de nos escrever. Esta manhã fomos apanhar cogumelos e pensámos imenso em ti. Esperamos em breve ir ter contigo.” Eu também o desejava tanto! Meti a carta dos meus verdadeiros pais no bolso. E guardei-a preciosamente, mesmo depois de a guerra ter começado.
Dorrith M. Sim; Gerald Fitzgerald In meiner Tasche Kassel, Opal Verlag, 2000 (Tradução e adaptação)