CLUBE DA HISTORIA EM : Não tenhas medo do escuro
Não é fácil andar sempre em mudanças, mas Tomás e a sua família são trabalhadores
migrantes que viajam de estado em estado, ajudando os agricultores a fazer as suas
colheitas. Quando chegam ao Iowa no verão, Tomás encontra, na biblioteca da cidade, um
escape ao calor abrasador. E, uma vez lá dentro, descobre também um mundo
surpreendente, cheio de dinossauros, tigres, e uma nova e excelente amiga…
Era meia-noite. A luz da lua cheia seguia o cansado e velho carro. Tomás também estava
cansado. Com calor e cansado. Fazia-lhe falta a sua cama, na sua casa no Texas.
Tomás ia de novo a caminho do Iowa com a família. O pai e a mãe eram trabalhadores
rurais. Apanhavam fruta e legumes para os agricultores do Texas no inverno e para os do Iowa
no verão. Ano após ano eles lá iam, aos solavancos, no seu velho carro ferrugento.
— Mãe — suspirava Tomás, — se eu tivesse um copo de água fria, poderia bebê-lo em
grandes goles. Poderia chupar o gelo. Poderia entornar as últimas gotas sobre a cara.
Tomás ficava satisfeito quando o carro finalmente parava. Ajudava o avô, Pai Grande, a
descer. Tomás dizia “Buenas Noches” – “Boa noite” – ao Pai, à Mãe, ao Pai Grande e ao seu
irmão mais novo, Enrique. E enroscava-se na estreita cama de lona, na casinha que a sua família
partilhava com os outros trabalhadores.
Bem cedo, na manhã seguinte, os pais saíam para colher o milho nos campos verdejantes.
Trabalhavam o dia inteiro sob o sol escaldante. Tomás e Enrique levavam-lhes água. Depois, os
rapazes jogavam com uma bola que a mãe tinha feito a partir de um velho urso de peluche.
Quando ficavam com muito calor, sentavam-se debaixo de uma árvore com o Pai Grande.
— Conta-nos a história do homem da floresta — pedia Tomás.
Tomás gostava de ouvir o Pai Grande contar histórias em espanhol.
Ele era o melhor contador de histórias da família.
“En un tiempo passado,” começava ele. “Era uma
vez…numa noite ventosa… um homem que seguia a cavalo
pela floresta. O vento uivava, whooooooooo, e as folhas
sopravam, whish, whish… De repente, algo agarrou o
homem. Não conseguia mexer-se. Estava demasiado
assustado para olhar em volta. Durante toda a noite tentou
continuar. Mas não conseguia.
E como o vento uivava whooooooooo! Como as folhas
sopravam! Como os seus dentes batiam! Finalmente o sol
nasceu. Devagar, o homem voltou-se.”
— E quem pensam que estava a segurá-lo?
Tomás sorriu e disse:
— Uma árvore espinhosa.
Pai Grande sorriu.
— Tomás, mas tu já sabes todas as minhas histórias — disse ele. — Há muitas mais na
biblioteca. Já és suficientemente crescido para ir lá sozinho. Poderás assim ensinar-nos novos
contos.
Na manhã seguinte Tomás foi até à baixa da cidade.
Olhou para a grande biblioteca. As janelas altas pareciam olhos que o miravam
fixamente. Tomás andou e voltou a andar à volta do enorme edifício. Viu crianças que saíam,
trazendo livros com elas. Lentamente, começou a subir, um a um, os degraus. Começou a
contá-los para si próprio em espanhol Uno, dos, três, quatro.
Parecia-lhe que a boca estava cheia de algodão…
Estacou diante das portas da biblioteca.
Encostou o nariz ao vidro e espreitou para dentro. Como era enorme!
Uma mão bateu-lhe ao de leve no ombro. Tomás deu um salto. Uma senhora alta olhava
para ele.
— Está um dia muito quente — disse ela. — Vem
para dentro e bebe um copo de água. Como te chamas?
— perguntou.
— Tomás — respondeu ele.
— Vem, Tomás — disse ela.
Lá dentro estava fresco. Tomás nunca tinha visto
tantos livros! A senhora observava-o.
— Vem! — disse ela de novo, levando-o até uma
bica de água. — Primeiro a água. Depois, vou trazer-te
livros para esta mesa. Sobre que assunto gostarias de ler?
— Tigres, dinossauros — confessou Tomás.
Tomás bebeu a água fresca e observou o teto bem lá no alto. Olhou para todos aqueles
livros à volta da sala. Viu a senhora tirar alguns livros das prateleiras e trazê-los até à mesa.
— Esta cadeira é para ti! — disse ela.
Tomás sentou-se.
Depois, com muito cuidado, tirou um livro da pilha e abriu-o.
Viu então dinossauros a inclinar os longos pescoços para lamber a
água brilhante. Ouviu os sons de um mergulhão selvagem. Sentiu o
pescoço quente do dinossauro quando se agarrou bem a ele para ir dar
uma volta.
E Tomás esqueceu-se completamente da senhora da
biblioteca. Esqueceu-se do Iowa e do Texas.
— Tomás, Tomás! — chamou a senhora suavemente.
Tomás olhou em volta. A biblioteca estava vazia. O sol
estava a pôr-se. A senhora da biblioteca olhou para ele durante um bom momento. E
perguntou:
— Tomás, gostarias de levar emprestados dois livros da biblioteca? Posso requisitá-los em
meu nome.
Tomás saiu da biblioteca levando com ele os seus livros. Correu para casa, ansioso por
mostrar as novas histórias à família. Pai Grande olhou para os livros da biblioteca.
— Lê para mim — pediu a Tomás.
Primeiro, Tomás mostrou-lhe as imagens. Depois, apontou para o tigre:
— ¡Qué tigre tan grande! — disse Tomás, primeiro em espanhol e depois em inglês “Que
tigre tão grande!”
— Lê para mim em inglês — disse Pai Grande.
E Tomás leu acerca dos olhos de tigre brilhando luminosos na selva, à noite. E Tomás
rugiu como um enorme tigre. Os pais e
Enrique riram. Vieram sentar-se perto
dele para ouvir a história.
Por vezes, Tomás ia com os pais
para o depósito de lixo municipal. Iam
procurar pedaços de ferro para vender.
Enrique procurava brinquedos. Tomás
procurava livros. E punha os livros ao sol
para lhes retirar todo o cheiro.
Durante todo o verão, sempre que podia, Tomás ia para a biblioteca. A senhora da
biblioteca dizia sempre:
— Primeiro um copo de água e depois alguns livros novos, Tomás.
Em dias sossegados, a senhora da biblioteca pedia:
— Vem para a minha secretária e lê para mim, Tomás.
Depois dizia:
— Por favor, ensina-me algumas palavras novas em espanhol.
Tomás ria-se. Gostava de ser o professor.
A senhora da biblioteca apontava para um livro.
— Livro é libro — dizia Tomás.
— Libro — dizia a senhora da biblioteca.
— Pájaro — dizia Tomás, batendo os braços.
A senhora da biblioteca ria.
— Pássaro — dizia ela.
Nos dias em que a biblioteca estava muito movimentada, Tomás lia sozinho. Olhava para
as imagens durante muito tempo…e conseguia cheirar o fumo num acampamento índio!
Montava um cavalo negro através de um deserto abrasador e poeirento. E, à noite, lia as
histórias aos pais, ao Pai Grande e ao Enrique.
Numa tarde de agosto Tomás levou Pai Grande até à biblioteca.
A senhora da biblioteca disse:
— Buenas tardes, señor.
Tomás sorriu. Tinha ensinado a senhora da
biblioteca a dizer “Boa tarde, senhor” em espanhol.
— Buenas tardes, senõra — respondeu Pai Grande.
Tomás disse suavemente:
— Hoje tenho uma palavra triste para lhe ensinar. A
palavra é adiós. Significa adeus.
Tomás ia regressar ao Texas. Iria sentir a falta deste
lugar calmo, da água fresca, dos muitos livros. Iria ter
saudades da senhora da biblioteca.
— A minha mãe mandou isto para lhe agradecer — disse Tomás, entregando-lhe um
pequeno pacote. — É pan dulce, pão doce. A minha mãe faz o melhor pan dulce do Texas.
A senhora da biblioteca disse.
— Que gentil! Gracias, Tomás. Obrigada.
E deu ao Tomás um grande abraço.
Naquela noite, de novo aos solavancos no carro velho e cansado, Tomás segurava um
livro novinho em folha, um presente da senhora da biblioteca.
Pai Grande sorriu e disse:
— Mais histórias para o novo contador de
histórias!
Tomás fechou os olhos. Viu os dinossauros a
beber água fresca. Ouviu o som do mergulhão
selvagem. Sentiu o pescoço quente do dinossauro
enquanto se agarrava bem a ele para um percurso
acidentado…
Pat Mora
Tomás and the library lady
New York, Dragon fly, 2000
(Tradução e adaptação)