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CLUBE DA HISTÓRIA EM : Luís precisa de ajuda

Luís precisa de ajuda
Luís é novo na escola. Senta-se ao meu lado e eu ajudo-o. É um pouco diferente do resto da
turma. Às vezes, pergunto-me em que estará ele a pensar. Senta-se com frequência e fica a olhar
fixamente para a parede. Se lhe perguntar o que está a ver, responde:
— Estou a olhar.
E continua a olhar. Mostro-lhe os meus desenhos e digo-lhe:
—Experimenta estas cores, Luís.
Ele repete:
—Experimenta estas cores, Luís!
E começa a desenhar com muito cuidado. Então eu digo-lhe:
—Isso está muito bem!
Mas não faço ideia do que é que ele está a desenhar.
Ema e eu ocupámo-nos dele no recreio. Corre entre os rapazes que jogam futebol, de braços
no ar, como uma pequena bailarina. A princípio, pensávamos que estava a jogar futebol, mas não.
Gosta simplesmente de correr no meio dos que jogam. Os outros rapazes aborrecem-se muito,
mas Luís nem se dá conta disso.
Há dias em que a Professora Olívia diz:
—Hoje não é dia de futebol!
Então, os jogadores andam pelo pátio sem saber o que fazer. E, para variar, meninos e
meninas brincam juntos. No último dia em que não houve futebol, deixámos que o nosso amigo
Sam subisse para a roda do trator connosco. Quase ia caindo, mas não nos rimos.
Luís estava de pé, muito quieto, a olhar, de modo que lhe perguntei:
— Queres subir para a roda, Luís?
E Luís repetiu:
—Subir para a roda, Luís?
Mas não se mexeu.
Às vezes, ele fala no momento errado. Ontem, a Professora pediu:
—Meninos, silêncio por favor.
E Luís repetiu:
—Meninos, silêncio por favor.
Todos nos rimos porque imitava mesmo a Professora, mas ela não se aborreceu.
E D. Cristina, a terapeuta, também não. Se fosse Sam, Ema ou eu que o disséssemos, ter-seiam aborrecido.
Esta manhã, Sam fez-nos uma demonstração com a sua bola nova.
— Sam tem uns pés mágicos! — disse D. Cristina.
Luís observava atentamente os pés de Sam, e este procurava não se mostrar demasiado
vaidoso.
— Queres jogar, Luís? — perguntou-lhe.
E Luís repetiu:
— Jogar, Luís?
Sam driblou pelo pátio todo com Luís a correr atrás dele. Passou-lhe a bola, mas ele não
tocou nela. Sam recuperou-a e continuou a correr com a bola enquanto Luís o seguia de braços
abertos. Mais rapazes entraram no jogo. Se Luís conseguia nem que fosse só roçar na bola com um
pé, Sam gritava “Boa jogada, Luís!”. E este sorria.
Luís ficou a desenhar toda a tarde. Cada vez que usava uma nova cor dizia:
—Boa jogada!
Depois de usar as cores todas, parou de pintar. E eu disse-lhe:
—Vai mostrá-lo à Professora Olívia! — E acompanhei-o até à secretária.
— Acho que o desenho do Luís é sobre o futebol — disse eu.
A Professora olhou para ele atentamente e respondeu:
—Perguntemos ao especialista!
Fui chamar Sam. Este olhou para o desenho e gritou:
— É o desafio de futebol! Este és tu! E este sou eu! Aqui está a bola!
E Luís sorriu.
— Aqui está a bola! — repetiu.
Nesse mesmo instante o sol apareceu. Os raios entraram pela janela iluminando a sala.
— Professora Olívia, e se o Luís e eu fôssemos para o pátio jogar futebol?
Os olhos da Professora brilharam.
— Gostavas de ir jogar futebol, Luís? — perguntou-lhe.
D. Cristina começou a pôr um agasalho. Julgo que sabia o que Luís iria responder.
— Jogar futebol, Luís? — perguntou Luís.
A Professora sorriu para a D. Cristina.
— Como é que adivinhámos? — disse-lhe.
Sam e Luís saíram a correr da sala!
E D. Cristina, que já trazia a bola, correu atrás deles.
— A nós nunca nos deixa jogar a não ser no recreio! — disse-lhe eu.
A Professora sorria, mas eu não.
— O Sam e o Luís têm muita sorte — disse-lhe eu.
Aflorou um brilho no olhar da Professora Olívia e no rosto formaram-se-lhe umas covinhas.
— Sim, têm sorte — sussurrou. — E a ti, o que te parece?
Olhou-me como se estivesse à espera que a minha resposta fosse sábia…
Por isso, tive que puxar pela cabeça para lhe responder:
—Acho que se pode pôr de lado as normas quando se trata de alguém tão especial…
A Professora levou um dedo aos lábios e assentiu ligeiramente com a cabeça. Tão
ligeiramente que só eu dei conta. Chegámo-nos à janela para ver o fantástico desafio…
E, então, eu também me senti especial.
♥♥♥♥
Somos todos únicos.
E há, para cada um de nós, coisas que são fáceis e outras que nos dão muito mais trabalho…
Luís sofre de um transtorno que se chama autismo. Isto significa, fundamentalmente, que tem
dificuldades em relacionar-se com os outros e, portanto, em comunicar com eles. Também lhe custa aplicar
a imaginação em muitas situações da vida quotidiana. As pessoas que têm autismo são diferentes entre si
(por esta razão fala-se de “espectro” autista, já que encontraríamos um leque amplo com diferentes graus de
afetação), mas a maioria compartilha destas características.
As crianças com autismo deveriam receber uma educação delineada especificamente de acordo com as
suas necessidades individuais, em escolas especiais. Mas o protagonista da nossa história vai para uma escola
normal. E Luís, às vezes, repete palavras que ouve aos outros, já que procura entender o que lhe disseram.
Desta forma, aprende o seu significado e como as utilizar. Gosta também de jogar futebol com os outros, mas
necessita de ajuda para aprender a jogar e, sobretudo, para conhecer as regras.
Por vezes, custa-lhe concentrar-se na aula e distrai-se facilmente com o que vê pela janela; mas D.
Cristina, a terapeuta, apoia-o e ajuda-o a entender melhor o que se deve fazer na aula. Os colegas da turma
também o ajudam a comunicar e aprendem, por sua vez, a respeitar as diferenças dos outros. Começam a
conhecê-lo melhor, e sabem o que é que lhe agrada e aquilo de que ele não gosta.
E isso ajuda-os a compreender Luís, e a perceber o que o torna especial.
Alison Stewart
(Psicóloga diplomada em logopedia)
Lesley Ely
Cuidando a Luís
Barcelona: Serres, 2004