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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM :Descida ao abismo

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 A pesca feita nas ilhas da costa norueguesa era especialmente proveitosa, mas só dois irmãos daquela zona se atreviam a pescar lá. Todos os dias, entre a praia e as ilhas, levantava-se um redemoinho de meio quilómetro de diâmetro, que sugava tudo o que encontrava no caminho.

As pessoas chamavam-lhe “O Grande Turbilhão”. Um dia, os dois irmãos, seguros de que o tempo ia estar bom, dirigiram-se às ilhas. Fizeram uma pescaria excelente e trataram de ir para casa antes que o redemoinho se começasse a formar.

De repente, porém, os ventos mudaram e eles perderam o sentido da orientação. Antes de poderem remar de volta à ilha, surgiu um vento por cima deles que derrubou o mastro da vela principal e os fez andar à deriva.

O irmão mais novo agarrou-se a uma cavilha na frente do barco e o irmão mais velho a um barril vazio, que tinha sido arremessado para a parte de trás da embarcação. Navegaram assim durante algum tempo. De repente, ao cavalgarem uma onda, viram que o seu barquinho minúsculo se dirigia para o centro do turbilhão.

Cheio de aflição, o irmão mais velho deu um salto e agarrou a cavilha, afastando o irmão mais novo. Este compreendeu o medo do irmão e agarrou-se, por sua vez, ao barril de água. O momento inevitável chegou e o barquito foi direito ao centro do turbilhão. O irmão mais novo fechou os olhos, rezou e esperou pela morte que viria, certeira. Algum tempo depois, porém, ao sentir que a morte ainda não tinha chegado, abriu os olhos e viu que o barco ainda não tinha caído no abismo.

Estava mesmo na borda e volteava lentamente em direção ao fundo. Quando olhou para as paredes do redemoinho, mesmo sabendo que a morte era inevitável, não sentiu medo. Reparou, fascinado, que havia muitos objetos dentro da água: árvores, barcos, mobílias. Começou a interessar-se pelas diferentes velocidades com que os objetos se precipitavam no fundo do redemoinho.

À medida que observava, deu-se conta de algo de extraordinário: os objetos mais leves e cilíndricos caíam mais devagar do que os objetos pesados. Esta constatação aguçou-lhe os sentidos. Sabia que a única esperança de sobrevivência era amarrarem-se ao barril vazio e saltarem borda fora. Explicou o plano ao irmão mais velho através de sinais. Mas este baixou a cabeça e agarrou-se ainda mais à cavilha, escolhendo a familiaridade do barco à incerteza das águas.

Resignando- -se ao destino, o irmão mais novo amarrou-se ao barril vazio e saltou para a parede de água fria do turbilhão. Tudo se passou como esperava. O barril afundou-se um pouco mais apenas, enquanto que a embarcação desceu cada vez mais, conduzindo o seu pobre irmão para a morte.

Pouco depois, o redemoinho começou a abrandar e o nível das águas começou a subir. O irmão mais novo encontrou-se de novo à superfície do mar, com as praias da sua aldeia à vista. Na manhã seguinte, foi recolhido por pescadores da sua própria terra. Mas estes não o reconheceram. Quando saíra na manhã anterior, o seu cabelo era negro como o corvo. Agora estava branco como a neve.

Edgar Allan Poe Elisa Davy Pearmain (ed.) Doorways to the Soul Cleveland, The Pilgrim Press, 1998 (Tradução e adaptação)