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CLUBE DA HISTORIA EM : Coisas de Mãe

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Coisas de mãe 

 
  

Há muito tempo, numa aldeia pequenina, pequenina, havia uma casa antiga. Tinha uma escada de pedra gasta, e janelas e portas pintadas de azul.

Ao princípio da tarde, na varanda da casa, uma menina adormecia, todos os dias, no colo da sua mãe.

A mãe, sentada numa cadeira, cantava uma canção:

 De manhã segue uma estrela 

à tarde os girassóis. 

De noite segue o silêncio 

escondido nos lençóis.

 

Ao fim da tarde, depois da sesta, a menina ia com a mãe regar a horta.

O milho ainda era verde e o canto das cigarras andava pelo ar.

Havia pequenos momentos de grande silêncio.

E o tempo passava devagar…
 

No ar sentia-se o cheiro da terra molhada.

A menina gostava desse cheiro que lhe fazia cócegas no nariz.

E gostava de ficar sentada no chão a mexer na terra e na água.

O cantar da mãe brincava-lhe no pensamento:

 
 
De manhã segue uma estrela
 
à tarde os girassóis. 

De noite segue o silêncio 

escondido nos lençóis.

 

Naquele tempo, a terra não pertencia a ninguém! Era de quem a pisava…

Não havia caminhos feitos, e todos podiam andar por todo o lado.

Havia maçãs perfumadas.

O perfume das maçãs era usado por todas as lagartas do pomar.

— Mãe, a que cheiram as maçãs?

A mãe da menina desenhava um cheiro de maçã, perfume de lagarta!

 

As mães são fadas sem asas que conseguem fazer coisas impossíveis.

E cantam canções com cheiro de fruta:   

 

De manhã segue uma estrela 

à tarde os girassóis. 

De noite segue o silêncio 

escondido nos lençóis.

 

Às vezes, ouvia-se ao longe um comboio que partia. O som do apito ecoava no silêncio da tarde.

— Mãe, para onde vai o comboio?

— Vai para longe, para muito longe…

O pensamento das duas seguia o fim do apito e ia no comboio. A menina sabia. A sua mãe já lho contara muitas vezes:

— O pai partiu, um dia, no comboio. Foi trabalhar para muito longe…

 

O carteiro trazia as cartas. Uma em cada mês. A menina sabia! No fundo da carta havia sempre um beijinho para ela.

— Mãe, quando volta o pai? — perguntava a menina.

— Volta… qualquer dia.

As cartas do pai, muitas, eram dobradas e atadas com fitas. E estavam guardadas numa caixa, no roupeiro do quarto.

Nos dias em que as cartas chegavam, o canto da mãe tinha saudades:

  

De manhã segue uma estrela 

à tarde os girassóis. 

De noite segue o silêncio 

escondido nos lençóis. 

 

Depois do jantar, ficavam a ver o pôr-do-sol. E a menina perguntava:

— Mãe, que horas são?

— São horas de dormir, minha querida.

— Não quero dormir! Conta-me uma história…

A mãe contava uma história. Das que ouvira contar a seu avô, que as ouvira do seu velho pai, que as escutara de seu pai, mais velho ainda.

 

As histórias eram velhas, muito velhas! Tão velhas, que já tinham sido muitas vezes cosidas e remendadas.

Eram longas histórias de retalhos…

Havia um pedaço do avô Joaquim, trazido de um monte do norte, em cima de um cavalo.

Outro pedaço era do avô Júlio, que o trouxera de barco, do Brasil.

Os retalhos que cheiravam a pão de forno eram da avó Emília. E os da avó Josefina tinham lantejoulas de ciganas.

A mãe sorria quando as cantava: 

 

De manhã segue uma estrela 

à tarde os girassóis. 

De noite segue o silêncio 

escondido nos lençóis.

 

“Quem conta um conto acrescenta um ponto”, dizem…

Aos que a mãe contava agora, já lhes tinham sido acrescentados vários pontos e muitos nós!

Como acontecia com a história que a menina mais gostava de ouvir. Começava assim:

 

Era uma vez… uma pequena formiga que trabalhava sem parar durante todo o Verão, acarretando migalhas e sementes.

Era uma vez uma cigarra que cantava, cantava…

A formiga passava por ela, dezenas de vezes ao dia, sempre atarefada. Olhava-a pelo canto do olho. E abanava a cabeça, em sinal de reprovação:

— “Canta, canta, que logo bailarás…”

 

Em cada dia, pacientemente, a mãe cosia e remendava o final da história.

Vestia a história de novo e fazia o dia diferente!

Num dia…
O Inverno chegava.

A cigarra, esfomeada, ia bater à porta do formigueiro. Lamentava-se tanto, tanto que a formiga, com pena dela, dava-lhe alguma comida. Mas fazia-a prometer que, no Verão, seria mais avisada.

— Mãe, achas que ela vai cumprir a promessa?

Noutro dia…

O vento varria as terras, havia muito frio, muita neve…

A cigarra, cheia de fome e muito magrinha, batia à porta do formigueiro, a pedir comida.

Mas a formiga fechava-lhe a porta na cara, sem dó nem piedade!

A cigarra morria de fome, no fim do Inverno, arrependida de tanta cantoria no Verão…

— Mãe, como é que ainda há cigarras, se elas morrem todas no Inverno?

Em outro dia…

Quando chegava o frio e a fome apertava, a cigarra dava voltas à cabeça, pensando no que fazer.

Certa vez, teve uma ideia: entrar no formigueiro disfarçada de formiga!

Conseguiu passar despercebida e só comia e dormia, dormia e comia.

Depois, durante o Verão, não só cantava, como se ria…

— Mãe, como é o riso da cigarra?

E em mais outro dia…

Num formigueiro, havia uma formiga que gostava muito de ouvir a música da cigarra.

Sentia-se mais alegre enquanto trabalhava. Por isso, às escondidas das outras formigas, deixava do lado de fora do formigueiro algumas migalhas.

Assim alimentava a cigarra, durante todo o Inverno!

— Mãe, podemos dar comida à cigarra?

E no dia preferido da menina…
A formiga chamava-se Matilde.

Estava farta, farta da vida de formiga. Andava farta de seguir o carreiro.

Sentia-se farta de transportar comida e mais comida.

É que a Matilde tinha um sonho!

Sonhava poder deitar-se de barriga para o Sol e… não pensar no Inverno, nem no Outono, nem sequer no dia de amanhã!

Um dia, Matilde fugia do carreiro. Na pressa da fuga, engolia a migalha que transportava. Empanturrada, adormecia como sonhara, de barriga para o ar, embalada pelo canto da cigarra.

Quando o Inverno chegava, a pobre formiga cheia de frio e de fome, voltava para o formigueiro.

As outras formigas ficavam muito contentes pelo seu regresso. Convidavam a Cigarra e faziam uma grande festa, com música e comida. Dançavam e comiam durante três dias e três noites, até não restar uma só migalha! No fim do Inverno, estavam todas mortas de fome. Todas, não!…

Matilde e a Cigarra tinham saído a meio da festa, com os bolsos cheios de sementes… Escondiam-se num buraquinho. Sossegadas e poupadinhas esperavam o despertar da Primavera.

— E depois, e depois? — perguntava a menina.

— Depois — contava a mãe — a formiga Matilde e a alegre Cigarra ficaram grandes amigas. E, de vez em quando, aparecem sorrateiras no nosso jardim, para ouvir as nossas histórias. Riem-se a bandeiras despregadas e comentam uma com a outra:

— “Que mais irão elas inventar?”

 
A menina ria!

E, como todas as noites, adormecia no meio de um abraço.