,Olá amigos do HFPB. Hoje, 2 de outubro de 2020, assim como vem acontecendo em todos os anos, comemoramos
neste dia, mais um aniversário de inauguração do Ramal Itabaiana – Campina Grande, pela companhia
GWBR (Great Western of Brazil Railway) que hoje está completando 113 anos de muita importância para
a história ferroviária paraibana.
Como foi amplamente divulgada em anos anteriores, naquela quarta-feira, dia 2 de outubro de 1907,
foi diferenciado, especialmente para uma cidade emergente, que ganharia, anos posteriores, o status de
metrópole interiorana nordestina, cidade esta, Campina Grande.
Surto desenvolvimentista, consolidado especialmente com a vinda da linha férrea a cidade, com a inauguração
do ramal ligando a importante praça comercial de Itabaiana, atravessando o maior rio do Estado, o Rio Paraíba
em Guarita, passando pelos rincões agrestinos de Mogeiro, Ingá até adentrar no município campinense através
de Galante, que na época era apenas uma fazenda, até chegar na florescente cidade.
Na imprensa regional, foi divulgado o dia escolhido para a inauguração, 2 de outubro, onde seria oficialmente aberto
para o tráfego de trens de passageiros, mercadorias, animais e serviço telegráfico. Como estampado nas páginas
do Diário de Pernambuco de 25 de setembro de 1907, que trazia o seguinte:
“No dia 2 de outubro proximo vindouro, será aberto ao trafego de passageiros, mercadorias, animaes
e serviço telegraphico, o prolongamento de Itabayanna a Campina Grande.
…os trens correrão nas segundas, quartas-feiras e sabbados e se corresponderão em Itabayanna com os trens
para Parahyba e Recife e vice-versa nos dias indicados.”
Recife, 14 de setembro de 1907.
J.A.Lorimer – Superintendente
Foi designado um jornalista do referido meio de comunicação recifense para acompanhar todo o desdobramento
da viagem entre Itabaiana a Campina Grande. Mas o que seria uma viagem festiva e agradável devido a data histórica,
na realidade se tornou um transtorno para a grande maioria dos viajantes do trem inaugural. Seriam percorridos
ao todo 90 quilômetros entre as duas cidades.
O repórter encarregado mostra sua insatisfação com o mal feito trabalho empregado pela companhia para esta viagem,
em um dia tão importante para uma região inteira. Segundo o mesmo na matéria especial sobre a inauguração do
ramal até Campina Grande de 6 de outubro de 1907:
“A Impressão que trouxemos da abertura desse trafego foi o peor possivel, e sómente quem teve a occasião de
assistil-a, figurando o grande numero de excursionistas, poderá ajuizal-a, reconhecendo não haver exagero nestas
nossas palavras, que escrevemos desapaixonadamente, sem um desabafo qualquer.
E se assim nos expressamos, é porque a Great Western, não sabemos a que attribuir, foi uma infelicidade sem
nome na inauguração do ramal de Campina Grande, consentindo que fossem mal tratados innumeros passageiros,
inclusives familias, durante cinco e enfadonhas horas em uma viagem de estrada de ferro, sem as accommodações
precisas.
Não acreditamos, que houvesse, nessa inauguração, um ´proposito da companhia…Longe de nós esse pensar,
mas o facto é que houve um descuido da parte dos directores, deixando que corresse no trem de abertura de linha
um material rodante estragado, talvez o peor da empresa…”
Podemos tirar a noção de como foi a viagem inaugural através do relato acima. Não sabemos os motivos da não
utilização dos novos materiais adquiridos pela companhia, como as novíssimas locomotivas da North British
Locomotive Company, do tipo mogul, por exemplo, que já estavam em operação. Lamentavelmente, não temos
alguma imagem sequer, desta locomotiva inaugural, apenas o número dela, 3, sem maiores informações desta máquina.
Mas, estamos aqui para registrar a história, e não indagar isso ou aquilo, portanto, voltemos a viagem inaugural.
Em meio a queixas e aborrecimentos de todas as partes, os passageiros puderam apreciar as belas paisagens
naquela tarde de primavera agrestina, um balsamo a todo embaraço decorrido antes e durante a viagem.
Descrito da seguinte maneira:
“A estrada, a principio entrecortadas de curvas, obrigava o comboio á marcha lenta, quasi sem velocidade,
dando tempo ao passageiro curioso melhor observar o caminho: aqui, linda paizagem que sómente é propria
das regiões do matto, onde a natureza parece que caprichosa sempre se mostrou prodiga, dotando-a com
edificantes e bellos panoramas, ao alcance da vista: acolá campos vastos e vastíssimos, mais abandonados
do que cultivados, em demonstração á indolencia que é comum ao brasileiro e que mais se arraiga
no typo sertanejo.
A locomotiva vencia sempre aos poucos os kilometros, deixando a descoberto os quadros mais lindos
que se podem imaginar…”
Como mencionado, este foi um dos poucos momentos de distração em meio ao desconforto e tensão que as próximas
cinco horas iriam trazer aos passageiros. Tensão, porque além dos problemas relatados acima, também tinha o medo
de ataque do bando do cangaceiro Antônio Silvino, que tempos antes ameaçou “virar o trem no dia de sua inauguração“,
segundo o próprio se propalara.
Imaginem todas esta mescla de sentimentos, dentre aborrecimentos diversos atrelados com o medo de ataques
do famoso bandoleiro, realmente a viagem inaugural do Ramal Itabaiana – Campina Grande foi turbulenta e
nada gloriosa.
Como havia mencionado em postagem do dia 28 de julho do corrente ano, em que o bandoleiro parou um trem de
lastro nas imediações de Mogeiro em novembro de 1906, cobrando a diretoria da Great Western uma certa quantia,
já que aquelas terras, segundo palavras do próprio cangaceiro “eram suas”, e se quisessem atravessá-las
, deveriam pagar uma espécie de “pedágio”. Se a companhia pagou ou não ao bandoleiro suas exigências, fica o mistério.
Atrelado a tudo isto, a companhia ciente das ameaças eminentes, solicitou uma força federal do 14° batalhão ,
sob o comando do 2° tenente Francisco Barretto de Menezes, afim de proteger o comboio, especialmente no
trecho mais crítico do trajeto, entre Mogeiro e Ingá. Lugar este em que o bandoleiro montou seu “Quartel General”,
apropriado anos antes, sendo nesse local, o ponto de partida para suas ações corriqueiras.
Quando o comboio chegou a estação de Ingá, já fim de tarde, entrando a noite, esta força federal desceu,
acreditando que “o perigo de ataques tinha passado”. Mas mesmo assim, os passageiros não se sentiam
confortáveis, além do mais a viagem partindo de Ingá em direção a próxima parada, ou seja, Galante, se
tornou quase que insuportável. Como afirma trecho da matéria:
“Ali foi que a viagem se tornou enfadonha, as queixas se desenrolaram: mal diziam todas da hora em que
se dispuzeram a assistir á inauguração:, o comboio, sempre subindo, ameaçava pregar nas grandes curvas,
vencendo lentamente os serrotes, deixando ao lado montes e capoeiras, varzeas e campinas.”
A viagem tomou ares dramáticos, quando após percorreram o lugar conhecido como Surrão, no Km 55, aliás,
muito conhecido naqueles tempos, quando em 1899, ocorreu um combate entre o bando de Antônio Silvino
com as forças dos estados da Paraíba e Pernambuco, quando na ocasião, o bandoleiro perdeu vários de seus
cangaceiros, salvando apenas o próprio Antônio Silvino, quando de repente, a máquina para no meio do nada
. Eita!…, e agora!…, será mais uma arte do bandoleiro contra o comboio, como havia prometido!…
Como é obvio, os passageiros ficaram muito assustados com a súbita parada da máquina, lembrando, que estavam
em área de atuação do bandoleiro, que péssima hora da força pública descer em Ingá…, mas…, para alívio geral de
todos, a súbita parada era as péssimas condições da locomotiva que “implorava” por água em sua caldeira,
por isso a parada para o abastecimento através do seu tender.
Passado o enorme susto, o comboio inaugural seguiu marcha até chegar a estação de Galante, já a noite.
Nesta estação, o comboio permaneceu muito tempo, uma hora, pra ser preciso, pois a locomotiva necessitava
mais d’água em sua caldeira. A escuridão era total, fora e dentro dos carros de passageiros, onde não existia
luz de qualquer espécie. Mais um problema atrelado a diversos outros nesta viagem inaugural.
Apesar de toda a chateação e cansaço geral, os ânimos voltariam aos semblantes, quando o comboio partiria
de Galante em direção ao seu destino final Campina Grande. A partir desse ponto faltariam apenas 22 km
para o termino da epopeica viagem.
Enfim, sem maiores dificuldades, o comboio chegou a Campina Grande, onde marcava 20:30 horas,
com um atraso de três horas aproximadamente. Mas a máquina e seus carros chegaram inteiros, trazendo
consigo passageiros cansados, porém orgulhosos de prestigiarem o grandioso acontecimento.
Entre dissabores, frustrações, aborrecimentos, sustos, entre outros sentimentos, eles entraram para a
história, como os pioneiros de uma nova era, e isto jamais pode ser tirado deles.
A festa dos presentes na estação a chegada do comboio inaugural foi grande, até para descer dos carros
, os passageiros tiveram dificuldades, pelo grande número de populares ali presente. Essa alegria é justificada,
através da luta de um povo que enfim, depois de muita luta, conseguiu angariar seu sonho, de ter uma estrada
de ferro cotando seu território.
Mas, aonde estava o cangaceiro Antônio Silvino e seu bando. Pois bem, segundo a mesma matéria especial,
só relembrando, Diário de Pernambuco, 6 de outubro de 1907:
“No dia da inauguração da estrada de Campina, Antonio Silvino esteve no Alto Branco, onde soltou diversas
girandolas, naturalmente festejando aquelle dia.
Nesse logar declarou que o trem de Campina correria sómente tres vezes, o numero necessario para as
moças da referida cidade conhecerem-no.”
Como vimos acima, em meio a comemorações e ameaças, o bando de Antonio Silvino, estava mais próximo
de Campina Grande que muitos imaginavam, o Alto Branco na época era apenas um sítio distante 1 quilômetro
do centro da cidade, lógico, com o crescimento urbano ao longo dos anos, esta localidade se transformou
em um dos bairro da “Rainha da Borborema”.
Uma força federal havia chegado a cidade alguns dias depois, e que estava no seu encalço e de seu bando.
Esta companhia, ficou aquartelada em frente ao Mercado Velho, porém esta companhia federal cometeu
arbitrariedades tamanhas, idênticos usados pelo bando de Antônio Silvino. Com as autoridades locais
pedindo sua retirada imediatamente.
As ameaças referentes ao trem correria apenas três vezes até Campina Grande, parecem ter cessado.
O trem percorreu não apenas as três vezes prometidas por ele, mas centenas de milhares ao longo de
mais de 100 anos de história da ferrovia em Campina Grande.
Fonte: Diário de Pernambuco, 06 de outubro de 1907.
Painel ilustrativo mostrando a estação de Campina Grande e uma ilustração do cangaceiro Antônio Silvino,
este ameaçando sabotar a viagem inaugural e consequentemente o tráfego do trem a cidade. Ao fundo,
um mapa do Ramal Itabaiana – Campina Grande.
Postado por Jônatas Rodrigues Pereira