Iqbal Masih – Malala Yousafzai Um país, duas vozes Nunca mais esqueci a história de Iqbal Masih desde que vi o seu obituário a 19 de abril de 1995, exatamente três dias depois de ter sido alvejado. Li coisas sobre a sua vida e sobre a coragem que demonstrou ao falar contra a servidão por dívida que afeta as crianças que trabalham na indústria de tapetes no Paquistão. Quando soube que Malala Yousafzai fora alvejada a 9 de outubro de 2012 por ter falado a favor do direito das raparigas irem à escola no Paquistão, voltei a pensar em Iqbal. Este livro nasce do exemplo destas duas crianças corajosas, cuja valentia transcende a sua juventude. J. W.
IQBAL MASIH 1983 – 1995
Iqbal Masih nasceu na aldeia de Muridke, perto de Lahore, no Paquistão. Quando tinha apenas quatro anos, os seus paupérrimos pais pediram emprestados doze dólares ao dono de uma fábrica de tapetes. Em troca do empréstimo, Iqbal tornou-se um servo por dívida, acorrentado a um tear até ao dia em que o empréstimo ficasse pago. Ganhava vinte cêntimos por jornada de trabalho. Aos dez anos, Iqbal foi libertado pela Bonded Liberation Front do Paquistão e começou a denunciar, de forma corajosa, o trabalho infantil. Os relatos que fez sobre os horrores da sua experiência foram amplamente divulgados e levaram-no a visitar vários países. Falou numa conferência internacional sobre o trabalho em Estocolmo, e em Boston recebeu um galardão da Reebok Human Rights Foundation. O Alto-Comissário para os Direitos Humanos da ONU elogiou-o como “um campeão da luta contra formas contemporâneas de escravatura que afetam milhões de crianças por todo o mundo.” Iqbal queria estudar Direito e a Universidade de Brandeis, nos Estados Unidos, ofereceu-lhe uma bolsa para que o fizesse quando pudesse. No Paquistão, Iqbal recebeu ameaças de morte por parte de pessoas ligadas à indústria da tapeçaria. A 16 de abril de 1995, quando andava de bicicleta com dois primos na sua aldeia, foi alvejado a tiro. Tinha doze anos. As circunstâncias da sua morte permanecem obscuras.
Iqbal, um rapaz corajoso
Peçamos não para ser poupados aos perigos, mas para ter coragem para os enfrentar. Rabindranath Tagore DOZE DÓLARES! Até que o empréstimo que os pais contraíram seja pago, Iqbal, com quatro anos de idade, tem de trabalhar na fábrica de tapetes. A liberdade de um rapaz vale doze dólares. – Nada de papagaios aqui! – berra o patrão, empurrando Iqbal para dentro do edifício escuro, cuja única janela tem grades. Tal como os outros rapazinhos, Iqbal é acorrentado ao tear, para evitar que fuja. À sua volta, dezenas de crianças como ele tecem tapetes na escuridão sufocante. Dedos pequenos podem realizar padrões complexos. Tão complexos que o patrão nem repara que Iqbal tece o seu papagaio numa parte do tapete. Embora as suas mãos trabalhem, a sua mente vagueia. Iqbal vive na escuridão. Vai para a fábrica antes de o sol nascer e regressa a casa depois do solpôr. Certa noite, enquanto se arrasta até casa, vê num muro o anúncio de um encontro acerca dos empréstimos que mantêm crianças como ele na servidão. Quando entra no recinto, Iqbal ouve dizer que esses empréstimos foram declarados ilegais. O dono da fábrica deixou de ser seu dono. Iqbal está livre. No dia seguinte, o rapaz corre para a fábrica com o anúncio na mão e grita: – Somos livres! Somos livres! Agora que é livre, Iqbal começa a ir à escola. Como é inteligente, não tem quaisquer dificuldades em aprender. Como é corajoso, atua como porta-voz de crianças como ele. As ameaças dos donos das fábricas não assustam este rapazinho de dez anos. Iqbal começa a visitar fábricas de tapetes por todo o Paquistão, levando uma mensagem de liberdade a três mil crianças escravas. A este périplo, segue-se a América, onde afirma: – Gostaria de fazer no Paquistão o que fez Abraham Lincoln aqui. Gostaria de libertar as crianças da servidão. Quando regressa a casa, as ameaças continuam. Iqbal vive em liberdade até que uma bala põe fim à sua vida. No seu funeral, 800 pessoas choram a perda deste corajoso rapaz do Paquistão. ééééé
Malala, uma rapariga corajosa
Malala Yousafzai 1997- Malala nasceu numa pequena cidade de Mingora, no vale do Rio Swat, no Paquistão. Vivia com os pais e dois irmãos. Começou cedo a frequentar a escola que o pai dirigia e era muito boa aluna. Entretanto, o grupo de extremistas religiosos que tinha conquistado a região, os Talibãs, proibiu as raparigas de irem à escola. Malala perguntou ao pai: – Porque não querem eles que as raparigas vão à escola? – Porque têm medo do poder da palavra – respondeu o pai. Quando Malala tinha apenas onze anos, falou publicamente, pela primeira vez, acerca da importância da educação das raparigas. Mesmo quando os Talibãs se tornaram mais agressivos, a menina não se calou. Apesar de continuar a receber ameaças, não deixou de exprimir os seus pontos de vista. Até ao dia em que um Talibã a alvejou quando ela regressava a casa na carrinha da escola. Malala foi tratada em muitos hospitais até que o Queen Elizabeth Hospital em Birmingham, na Inglaterra, acedeu recebê-la. É nesta cidade que Malala reside agora com a família. Já recebeu muitos galardões pela sua coragem, incluindo o International Children’s Peace Prize, o Pakistan National Youth Peace Prize, o Mother Teresa Memorial International Award for Social Justice e o Rome Prize for Peace and Humanitarian Action. Em 2013, foi nomeada para Prémio Nobel da Paz. Malala continua a recuperar do atentado e a expor as suas ideias publicamente. – Quem é a Malala? – pergunta o combatente talibã, percorrendo a carrinha escolar com os olhos. Malala é uma rapariga destemida, que acredita no poder do estudo. Embora os Talibãs tenham avisado as raparigas do vale do Swat que não devem ir à escola, que não devem ler, as raparigas ignoram-nos. São meninas corajosas que sentem que a escola é o lugar dos seus sonhos e que os pesadelos não atravessam os seus portões. Contudo, tomam a precaução de vestir roupas normais quando saem de casa de manhã, deixando os uniformes escolares em casa. Os Talibãs renovam as suas ameaças diariamente, mas Malala responde sempre: – Tenho direito a receber uma educação, a brincar, cantar, falar, ir ao mercado e dizer o que penso. Não há paz no vale do Swat, onde os Talibãs chegam mesmo a bombardear as escolas. Contudo, Malala continua a exprimir o direito de ter acesso à educação e a expor o medo que os insurgentes têm dos livros e das mulheres. Frequentar a escola torna-se cada vez mais perigoso e as alunas passam a viajar numa carrinha, por questões de segurança. Um dia, um Talibã manda parar a carrinha, entra nela e pergunta: – Quem é Malala? Se não me disserem, mato-vos a todas. Quando descobre a menina, alveja-a. A carrinha dirige-se a toda a velocidade para o hospital local, de onde um helicóptero transporta Malala para um hospital maior longe dali. Entretanto, um avião leva-a para um hospital ainda maior. Todos tentam salvá-la. O tiro que a alvejou foi ouvido em todo o mundo, onde Malala já era conhecida. As orações de homens e mulheres, rapazes e raparigas rodeiam o seu leito. Aos poucos, a menina vai acordando do pesadelo. Um dia, abre os olhos, pega num livro e sorri. E volta a denunciar o que está mal. Quando faz 16 anos, fala perante líderes do mundo inteiro e a sua voz ecoa mais forte do que nunca. – Pensaram que as balas nos calariam, mas enganaram-se. Não se esqueçam de que uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. O mundo ouve a voz desta corajosa rapariga paquistanesa e escuta. Jeanette Winter Iqbal/Malala New York, London, Beach Lane Books, 2014 (Tradução e adaptação)