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Blog do Vavá da Luz

  Zugzwang (Marcos Pires)

  Zugzwang

Marcos Pires

Das poucas coisas que lembro do jogo de xadrez, esse termo zugzwang (conhecido pelos mais íntimos simplesmente como zug) era um dos meus favoritos. Traduz aquele momento em que o jogador tinha a obrigação de efetuar um lance que o levaria à derrota mais adiante. Me fascinava ver no rosto do meu oponente o momento em que ele começava a traçar seu destino. Tanto tempo depois essa fugidia lembrança me veio à memória por conta da pandemia do novo coronavírus.

Ao mesmo tempo lembrei de um mito babilônico aproveitado por meu colega escritor inglês W. Somerset Maugham em seu livro “Encontro em Samarra”, onde trata de um mercador da cidade de Bagdá que mandou seu servo ao mercado para fazer compras. Pouco depois o servo voltou apavorado, dizendo que havia encontrado a Morte no mercado e ela lhe fizera um gesto ameaçador. Ato continuo o servo fugiu para a cidade de Samarra onde foi se esconder com medo de morrer. O mercador ficou muito chateado por perder um servo tão bom e foi ao mercado tomar satisfação com a Morte. Porém a Morte negou que tivesse feito qualquer ameaça ao servo. “Na verdade, eu me surpreendi quando encontrei seu servo aqui, porque eu tenho um encontro marcado com ele hoje à noite na cidade de Samarra, para onde estou indo agora.”

Isso é destino, já pronto e acabado.

Outra coisa é o zug, onde o jogador de xadrez começa a escolher seu destino com uma jogada no tabuleiro que o levará à derrota.

E uma terceira coisa é a história de Manoel, pobre coitado, que vinha andando por uma calçada no bairro do Chiado, em Lisboa, quando avistou a uns vinte metros uma casca de banana. O patrício notou o grande perigo que corria, porem sua reação foi resignar-se ao que entendeu ser seu destino e continuou na trajetória que vinha percorrendo, limitando-se a repetir mentalmente “- Ai meu Jisus Cristinho…. Ai meu Jisus Cristinho….”, até que estabacou-se depois de escorregar na casca de banana.

Dá-se exatamente o mesmo com as precauções que precisamos tomar com relação ao coronavírus. De minha parte estou isolado desde segunda-feira, porque aprendi com os erros dos outros. Porém há os que mesmo vendo a casca de banana do vírus preferem seguir em sua direção fabricando seu zugzwang.

Claro que todos teremos nosso encontro em Samarra, mas se é possível adiar, por que não tentar?