O fazer poético no Nordeste brasileiro tem no repentista um dos seus grandes protagonistas. Caracteriza-se pelo improviso cantado. No mais das vezes são autodidatas, cujos conhecimentos foram adquiridos no decorrer do tempo e nas batalhas das cantorias. Na Paraíba um deles tornou-se figura lendária. Quem o descobriu foi o jornalista Orlando Tejo, responsável por fazê-lo conhecido como “Zé Limeira o poeta do absurdo”, título do seu livro, já editado por 12 vezes.
Era um homem que percorria as cidades do Nordeste, cantando seus versos um tanto desconexos da realidade. O importante para ele era rimar, independente da lógica da construção poética, pronunciando palavras que não existiam no nosso dicionário, tais como grodofobia, prodologicalidade e gordosopria, e relatando acontecimentos em que convivem personalidades históricas que viveram em tempos diferentes, como por exemplo, Jesus Cristo, Getúlio Vargas, Bonaparte e Tomé de Sousa. Por isso passou a ser apontado como o pioneiro do surrealismo no repente.
Nasceu no sítio Tauá, no município paraibano de Teixeira, em 1886. Não há registros precisos de informações da sua biografia. Assim o descreve Orlando Tejo: “Caboclo de quase dois metros de altura, trajava mescla rústica de um azul vivíssimo a contrastar com o vermelho aceso da flanela que lhe envolvia o pescoço, onde se via um tosco anelão de pedra azul pendurado. Exageradas lentes pretas guarneciam os olhos. Quinze anéis grotescos reluziam nos dedos possantes e ágeis, enquanto dezenas de fitas multicores esvoaçavam nas clavículas da viola festiva. Nunca utilizou o automóvel ou outro meio de transporte motorizado. A pé venceu o mapa da Paraíba e deslocou-se ao Ceará, ao Rio Grande do Norte, a Pernambuco e a Alagoas”.
Há suspeitas de que alguns dos poemas postos por Orlando Tejo no livro, não são de sua autoria, mas de outros repentistas nordestinos e até mesmo do próprio biógrafo. Em um deles, se apresenta declamando os seguintes versos: “Eu me chamo Zé Limeira/Da Paraíba falada/Cantando nas Escrituras/Saudando o pai da coalhada./A lua branca alumia/Jesus, José e Maria,/Três anjos da farinhada.”
A Tv Senado chegou a produzir um documentário intitulado “O homem que viu Zé Limeira”, em que mostra os caminhos, a vida e a obra de Limeira a partir das pesquisas e vivência de Tejo. O cantor Zé Ramalho homenageia Zé Limeira com a música “Visões de Zé Limeira sobre o final do Século” em seu álbum Força Verde (1982). No teatro o dramaturgo Zé Bezerra Filho encenou em 1977, no Rio de Janeiro a peça “O mundo louco de Zé Limeira”, sendo bastante aplaudida pelo público carioca.
Eis algumas de suas pérolas: “Getúlio foi home bom,/Fazia carnificina/Gostava de comer fava/Misturada com resina/Sofreu mas ainda foi/Delegado de Campina”.
“Quando Dom Pedro Segundo/Governava a Palestina/E Dona Leopoldina/Devia a Deus e ao mundo,/O poeta Zé Raimundo/Começou a castrar jumento./Teve um dia um pensamento:/Aquilo tudo é boato/Oito noves fora quatro/Diz o Novo Testamento”.
“Um dia o Rei Salomão/Dormiu de noite e de dia/Convidou Napoleão/Pra cantá pilogamia./Viva a Princesa Isabé,/Que já morou em Sapé/No tempo da monarquia”.
Zé Limeira morreu em 1955.
Rui Leitão