RAMALHO LEITE
Conviver com quem gosta de história é um privilégio. E como eu gosto de contar histórias… Muitos historiadores me brindam com as suas pesquisas e iluminam meu conhecimento. Marcelo Cerqueira, por exemplo, me presenteou seu livro onde traça a evolução da iluminação pública na Paraíba e, notadamente, nesta Capital. Eu já sabia que um Vilar, parente de Ariano Suassuna e Dorgival Terceiro Neto, ocupante do Palácio muito antes do pai do primeiro, e da gestão do segundo, fora o responsável pela introdução da iluminação pública à base de lampiões. Também sabia que José Amâncio Ramalho instalou a segunda hidroelétrica do nordeste, em Borborema, e até que chegasse a energia de Paulo Afonso vendeu energia a boa parte do brejo.
Agora fui visitado por Humberto Fonseca de Lucena, que me fez reviver em “O Mercado de Araruna e seus arredores”, o início da trajetória desenvolvimentista do mesmo José Amâncio Ramalho, pacificamente, tido e havido como fundador da minha terra natal, a pequenina cidade de Borborema, “deusa adormecida dos eucaliptais”, segundo o imortal Manoel Batista de Medeiros. Nascido em Tacima, ainda por concluir o curso de direito no Recife, onde seria colega de turma de José Américo de Almeida, Zé Amâncio, como era conhecido, idealizou a construção de um mercado público em Araruna, como marco inicial do progresso daquela cidade serrana. A prefeitura ou o antigo Conselho Municipal não tinha receita para tanto. Zé Amâncio tinha. Condicionou sua construção à concessão da exploração comercial do imóvel. “Sua obra é um divisor de águas e divide a história de Araruna em dois tempos: antes e depois do Mercado. Nem por isso seu nome foi lembrado para batizar alguma rua ou qualquer logradouro público de Araruna”, reclama Humberto.
Araruna vivia a primeira década do século XX. Os Targino, ontem como hoje, mandavam e desmandavam nos destinos da cidade e na vontade dos cidadãos. Concordaram com a idéia de Zé Amâncio e o Conselho conseguiu arrecadar seis contos de reis para a obra. O restante seria por conta do empreiteiro, beneficiário “ do imposto de chão, de açougue e de lojas, pelo prazo de dez anos” para se ressarcir do investimento que chegaria a trinta contos de réis. A construção foi iniciada em 1908, data em que o construtor concluiria o curso de direito no Recife, opção não vocacionada, pois seu desejo era cursar engenharia no Rio de Janeiro.
Há de se registrar que, paralelamente ao prestígio dos Targino, àquela altura contando com o cargo de prefeito, de juiz e de padre na família, crescia também em Araruna a popularidade de Zé Amâncio. Vem de longe a ação dos coronéis contra quem lhes ouse fazer concorrência. Faltando ainda quatro anos para terminar o contrato firmado com a municipalidade para exploração comercial do mercado, Zé Amâncio foi dispensado, depois de uma batalha que envolveu até noticiário na imprensa desta capital. Desgostoso, mas conciliador, Zé Amâncio aceitou receber quatro contos de réis de indenização e retirou-se de Araruna para sempre.
Borborema, então Boa Vista, ganhou esse empreendedor que adquiriu terras ali em 1912. Construiu um açude, e com a força da água passou a produzir energia e vendê-la a vários municípios. Instalou uma usina de beneficiamento de arroz e de mandioca. Zé Amâncio era um visionário. Do alto da serra de Araruna ele avistara o progresso chegando ao brejo: o trem aportaria em 1913. Faltava a energia para impulsionar a indústria, florescer o comércio e encher os trens de produtos locais. Sua visão de futuro e sua força empreendedora fizeram nascer uma cidade. O que Araruna perdeu, Borborema lucrou.