Velhas histórias sertanejas
São Mamede, apesar de ser uma pequena cidade localizada no Seridó Ocidental Parahybano, possui um sem número de belezas naturais e culturais. Está encravada na depressão sertaneja, ornada por morros, serras e montanhas que dão majestosos contornos àquele pediplano sertanejo. Uma dessas serras é a de Picotes, uma extensa formação granítica composta de uma sinuosidade que lembra o monólito Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, ou mesmo uma esfinge.
Na base da Serra de Picotes, pelos idos de 1913 foi construída a primeira edificação pelo Sr. Manoel Vítor de Melo, pontapé inicial para a criação de um povoado. Em 1920 foi erigida a primeira capela em devoção ao Santo Antônio e em 1927 o povoado já contava com várias residências e inaugurava uma movimentada feira semanal, aos sábados, que atraía comerciantes de São Mamede, Quixaba, Patos e toda região.
A vila de Picotes é formada por um conjunto de duas dezenas de casas dispostas em duas fileiras formando um largo corredor com a capela fechando um dos lados. Há quem considere que o povoado teve maior desenvolvimento do que a própria São Mamede na primeira metade do século XX. A estrada que cortava os sertões paraibanos passava ao lado da igreja e a vila de Picotes se tornou uma parada obrigatória. Está viva na memória de moradores a passagem de políticos e artistas em tempos idos e de toda a movimentação do lugar.
Em 2005, o filme ‘Cinema, Aspirina e Urubu’ foi gravado na Vila, pelo diretor Marcelo Gomes. A história se passa no sertão nordestino de 1942 e conta a história de Johann, um alemão que para fugir da Segunda Guerra Mundial vem trabalhar como vendedor de aspirinas nas cidades do interior do Nordeste. Dirigindo seu caminhão, ele conhece Ranulpho, um paraibano que sonha ir para outra cidade. Os dois viajam pelos povoados exibindo filmes promocionais sobre a aspirina para pessoas que nunca conheceram um cinema. Segundo o historiador de São Mamede Manoel Lucena (carinhosamente conhecido por Prof. Coló), se Guel Arraes tivesse conhecido Picotes antes, o Auto da Compadecida certamente “teria sido gravado aqui em Picotes”. O lugar é pitoresco e recheado de boas histórias.
Livúzias, histórias de mal assombro, são muitas. Uma delas é da ‘Galega do Queixão’, que vive a assombrar motoristas que se destinam à cidade de Patos. Outra é uma voz de uma menina chorando, que é escutada por quem se dirige a Picotes. Ao ser perseguida, a garota vestindo branco se “encanta” (some, desaparece) em um pé de mufumbo. Há uma velha que é vista urinando de cócoras, ao ser abordada também se encanta em um Juazeiro. Outra história contada pelo Sr. Mirabeau (antigo morador que após aposentadoria voltou para morar no povoado) é a história de que um doido se escondeu em uma loca de pedra com medo da polícia e lá permaneceu. Ao nascer do sol sua voz ecoava, gritando, nunca descia, nem mesmo para comer. Um dia este ‘doido’ morreu e seus ossos ainda perambulam na encosta da serra. De tempos em tempos sua voz é escutada no vale do Sabugí.
Historias como essas são contadas de geração a geração, constitui o patrimônio imaterial da região e é mais um ingrediente para se entender a cultura popular do interior nordestino. Não raro, vemos folhetos de cordel em feiras livres abordando estas histórias pitorescas.
A Vila de Picotes é encantadora, sua festa de padroeiro é magnífica e convidativa. É só mais um atrativo do município de São Mamede, que possui um rico patrimônio histórico e inúmeros sítios arqueológicos no leito do Rio Sabugí. Mais uma beleza da Parahyba que merece ser conhecida. Se não conhece, arrume a mochila e pé na estrada!