Pular para o conteúdo

Uma cartinha de alegria ( Thomas Bruno Oliveira )

Uma cartinha de alegria

 

Crianças – iStock

ERA O QUE MINHA MÃE sempre dizia, que eu era sempre a primeira em tudo. Em tudo mesmo! Se aparecia qualquer roupa da moda, mesmo cara, eu adaptava um modelo parecido para mim, com panos simples, longe daqueles lindos tecidos, pois, na família, eu também fui a primeira a aprender a costurar; vi diversos vídeos na internet e me divertia entre botões, linhas e agulhas. Foi quando encontrei no fundo do guarda-roupas uma caixinha com umas coisas, minha mãe dizia que era “didá”, depois fui entender que essa era a maneira que dizia ‘dedal’, daqueles que se usa na costura. Era de uma parente antiga, uma “comadre” como ela dizia, troço velho e antigo que guardava nem sabia o porquê. Meu nome é Alice, o nome de minha avó, mas desde que eu era bem pequenininha, a família me chama de ‘Ice’.

 

Desde quando me entendo de gente que sempre morei no sítio Cafundó e por minha família viver e se dedicar a agricultura, fui a primeira a sentar no banco de uma escola. Tive muito medo quando aquele ônibus grande e amarelo parou pela primeira vez na frente de minha casa, já com vários coleguinhas. Daquela janela vi outros horizontes, aves em bandos no alto de serras distantes, queria saber o que havia do outro lado, quais mundos existiam. Apesar de já ter passado da idade de cumprir as primeiras letras, minha mãe me consolava dizendo que antes tarde do que nunca e, ali, estava vendo eu realizar um de seus maiores sonhos, o de aprender a ler.

 

Ônibus escolar – PMCapãoBonito

 

A escola Tenente José Eufrásio ficava lá na rua (era assim com o povo no sítio chamava a cidade), logo no oitão da igreja de São Francisco, foi ali que tudo começou. Fui aprendendo a pegar em um lápis, decifrar letrinha por letrinha, ser caçoada também por alguns colegas que achavam que sabiam mais do que eu até hoje estar escrevendo essa cartinha contando a vocês a magia que é estudar, aprender a ler. Sou muito agradecida a Professora Toinha Coutinho, um amor de pessoa e muito atenciosa.

 

Sabendo do gosto de minha mãe pelas letras, tive a ideia e resolvi ensiná-la junto com meu pai a ler e escrever; minha mãe só assinava o nome e muito mal, meu pai nem isso fazia.

– Eu tenho lá idade de aprender a ler menina, tenho cabeça mais não, são setenta anos nos ombros e as mãos calejadas da enxada no roçado. Disse meu pai.

– Mais pai, o senhor vai ver como vai gostar, é um mundo que se abre.

– Mundo que se abre pra velho é quando chove no roçado! Retrucou.

Deixei como estava, tem horas que é necessário parar e não insistir para tentar novamente depois.

 

Já minha mãe topou na hora! E eu pensei com meus botões, como atrair meu pai? Como conseguir pular essa barreira que tenho certeza que é vergonha de não saber pegar num lápis direito. Falei para ele insistindo que eu não ia ensinar, a gente só ia brincar de escolinha depois do jantar. Como eu não tinha muitas companhias no sítio, ele arrumava todo o tipo de brincadeira pra fazer comigo, e não é que deu certo! O bê-a-bá aconteceu devagarzinho, eu me fazia de professora e ria o tempo todo e em algumas semanas, os dois já estavam juntando várias letras, interpretando algumas palavras para a minha emoção. Pai gostava mais de coisa com figura, como gibi. Já minha mãe gostava de história grande, muitas vezes nos perdíamos no tempo lendo juntas, eu lia um parágrafo, ela lia outro e meu pai ouvindo tudo ajeitando o fumo dele com uma faca que de tão usada tinha uma curva grande na lâmina. Eu dizia que era a espada cega do herói do sertão e ele se embolava de rir.

 

Minha mãe disse que sempre fui a primeira em tudo, mas o que mais me orgulha é que fui a primeira professora da família, ensinando a maior viagem de todas – a leitura – às duas pessoas mais importantes de minha vida. Aqui com essa cartinha da alegria, deixo expresso esse sentimento tão puro de alegria e amor. Obrigada Deus, obrigada por tudo.

 

Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!