UM MERGULHO NO PASSADO
RAMALHO LEITE
Visitar o Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba é uma experiência singular para quem gosta de vasculhar o passado. Com máscara e luvas que me foram cedidas, gentilmente, pelo pessoal que atua naquela casa, vivi essa viagem e reencontrei, além dos meus próprios rastros, muita gente que os escaninhos do meu cérebro haviam arquivado. O tempo foi curto, mas outras incursões farei ao valioso acervo que ali se encontra, bem catalogado e de fácil acesso.
Não fui muito longe para rever Archimedes Cavalcanti, secretário de redação da Tribuna do Povo, jornal mantido pelas então chamadas classes conservadoras, sob o patrocínio da UDN e dirigido pelo deputado Clovis Bezerra que sucedera a Joacil de Brito Pereira na mesma missão. Archimedes foi o meu professor de jornalismo. A minha primeira escola foi a Tribuna. Como estudante do Lyceu comecei a levar uma coluna semanal com assuntos da educação. O meu noticiário envolvia, principalmente, os movimentos estudantis, em efervescência nascente naqueles anos da década que se iniciara em 1960 e alcançaria seu apogeu em 1968.( O livro de Rui Leitão é muito bom e chegarei a ele)
A minha coluna, Tribuna Estudantil, era revisada, minuciosamente, por Archimedes. Ele não se limitava à correção do texto, mas acrescentava boas lições sobre a melhor forma de redigir. Abusar de adjetivo era um crime imperdoável. Ir direto ao fato, a primeira lição. Aprendi muito com aquele grande paraibano, que, inclusive, foi membro do IHGPB.
Manuseei uma coleção de A Tribuna do Povo e deparei-me com a manchete que destacava uma entrevista em página inteira do governador Pedro Gondim: “Posição da Paraíba: contra o golpe, pela legalidade e a Constituição”. O governador firmava posição com relação à posse de João Goulart, após a renúncia de Janio Quadros. Vivia-se a Campanha da Legalidade, evento que durou exatos 14 dias e se propunha a garantir a posse do vice-presidente, em viagem à China, para estabelecer relações comerciais, por delegação presidencial. O governador da Guanabara, Carlos Lacerda, amparado por militares contrários à posse, proclamava que Jango fora à China conhecer o regime comunista para implantá-lo no Brasil. Pedro Gondim deu a posição da Paraíba. Em 64, pretendeu repetir essa postura. Contam que chegou a redigir nota contra o golpe que depôs Goulart, rasgada, logo depois, por conselheiros menos apressados. As circunstancias eram outras. Pedro terminou por apoiar o movimento militar, responsável pela cassação do seu mandato de deputado federal, alguns anos depois, quando ele tentou ressuscitar sua natureza rebelde.
Relembrei Adalberto Barreto, esparramado em uma velha poltrona da Associação Paraibana de Imprensa, da qual era presidente, enquanto nas janelas do prédio, bocas de som amplificavam para a rua Visconde de Pelotas e vizinhança, as noticias transmitidas pela Radio Guaíba, diretamente do porão do Palácio Piratini. A voz de comando era de Leonel Brizolla, que formara a Cadeia da Legalidade e, juntamente com o general Machado Lopes, assegurava a posse de Jango, a partir do Rio Grande do Sul.
Jango tomaria posse com seus poderes podados pela adoção de um parlamentarismo que já nasceu capenga, e entronizou Tancredo Neves no cargo de primeiro-ministro. Este seria o Chefe do Governo, enquanto Goulart, tornar-se-ía, apenas, Chefe de Estado. Uma Rainha da Inglaterra sem saias. Para evitar derramamento de sangue, Jango aceitou a imposição dos militares, como diria depois. Seu tumultuado governo caminhava para ser golpeado. No comício da Central do Brasil, uma sexta-feira 13, assinou decretos que desagradaram às elites e encantaram as esquerdas. Eis o motivo que faltava para justificar o golpe. Jango, apeado do poder e exilado, só voltaria ao Brasil depois de morto. Sua morte ainda gera muitas suspeitas. Mas esse é um assunto para a Comissão da Verdade.