Ubi est locus ou onde está o lugar?
Políticos, geralmente bacharéis de Direito, escrevendo expressões latinas nas petições ou até recitando as Catilinárias, de Cícero, gostam de discursar com a frase “estive in loco”, o que, pelo interior, junto ao seu eleitorado, provoca o equívoco: “Onde fica isso”? Tal expressão, bem usada, onde se falava latim, esclarece-se, definindo locus, no primeiro sentido, como lugar, local ou situação; num segundo, categoria ou posição. Enfim, o lugar é o espaço que pode ser ocupado por um ou mais corpos, pessoas ou coisas. Logo, é apenas admissível que alguém se arvore em permanente possuidor de um determinado lugar, como entre os gananciosos ocorre. Contudo, sou intransigente: o lugar na fila é de quem chega primeiro, abomino quem fura fila… Excetuam-se as cadeiras, no teatro, reservadas a autoridades, mesmo quando sejam os últimos a chegarem. Nem ouse sentar numa dessas poltronas, porque logo ouvirá mais um sentido da palavra locus, numa abusada reprimenda: “Reconheça o seu lugar”.
A disputa por lugar anda se espalhando, no ranking das concorrências sociais, econômicas, políticas ou religiosas. Dentre essas, indaga-se em qual lugar está a sua religião, posição calculada pelo número de seguidores ou de igrejas; o que praticam também dirigentes de partido, contando filiações partidárias. Assim acontece a conceituação de lugar, numa enorme diversidade de uso. O lugar em si não sai do lugar, é um espaço fixo, mas, quando as pessoas se identificam por um lugar, é concebível que o carregue consigo aonde for. São pessoas que atribuem apreço à terra, onde nasceu ou onde mora. Mesmo distantes, mas sempre na memória, lembram-se do seu chão e da sua cultura. É quando o lugar nos acompanha…
Já conheci brigas ferinas, por causa de lugar. A mais impressionante e cruel aconteceu na feira de Itabaiana, onde, depois de ofensas verbais, sobre um ponto para vender macaxeira, o pretenso dono do lugar fura a barriga do outro pretendente, com uma peixeirada de 40 cm. Matou por causa de um efêmero lugar, numa passageira manhã de terça-feira. A outra, li no jornal: Num cinema do interior, voltando do banheiro, o assassino encontrou a cadeira ocupada, e logo exigiu: “Esse lugar é meu”. Então o farwest saiu da tela para o salão, troca de socos, disparo de revólver. E finalmente o lugar não ficou nem para quem matou, tampouco para quem morreu…
Há o costume em casa da mãe avisar à meninada: – Saia daí, esse lugar é do seu pai. E assim se caracteriza para sempre, onde se sentam pai e mãe. Em Campina Grande, depois que a mãe morreu, o dileto filho continuou considerando o lugar em que ela se servia à mesa, pondo pratos, xícara, pires, copo, talheres e guardanapo. A comida não lhe era servida porque ela não comparecia, mas, no dia seguinte, tal ritual se repetia, como se o lugar a trouxesse de volta à vida. Ou o que passou naquele lugar, no passado, viesse a ter lugar no presente.
Curiosamente existem pessoas que se sentem mais valorizadas, em determinados lugares. Senti igual circunstância, na Basílica de São Pedro, em Roma, ladeando o Papa Paulo VI, que olhou e sorriu para meu aceno. Já seria outra sensação visitar os túmulos papais no porão da Basílica, ou mirar da sua torre, a Praça arquitetada por Michelangelo. Daí, não avalie apenas o lugar, mas, sobretudo o que você valorizou naquele lugar. A cidade, onde o leitor mora, chamar-se-ia como sendo o seu lugar? Sem bairrismo, o lugar, onde você vive feliz, o acompanha nas maiores distâncias, dentro do seu imaginário, dos seus sentimentos e da sua cultura.