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Blog do Vavá da Luz

Tio Nezinho, o relojoeiro ( Thomas Bruno Oliveira )

Um instante de março de1997. Nezinho e seu labutar – Acervo familiar

 

ESSA SEMANA, ouvindo o noticiário da recente rádio Metropolitana FM (101.9), que faz parte do sistema Correio e já arrebatou meu gosto por ter diariamente um programa só com forró, me emocionei com um comentário feito pelo famoso jornalista multimídia Polion Araújo, discorrendo sobre uma situação de escândalo em nossa capital João Pessoa em um certo hospital. Para tanto, em um assunto em que envolvia relógios, ele disse: “no meu tempo, era levar o relógio lá em Nezinho Relojoeiro e ficava tudo certo. Ele via, consertava e garantia tudo”. Eu estava em meu automóvel indo para o trabalho e não consegui conter as lágrimas. Ah Nezinho, que saudade você nos traz…

 

Nezinho teve o nome de batismo de Manoel José de Oliveira. Nasceu no dia 18 de dezembro de 1939 em Campina Grande-PB. Morou no sítio Tambor (zona rural de Campina, a lendária Mumbuca, terras ancestrais de nossa família) onde aprendeu com seus pais a honestidade e o respeito que toda Campina conheceu.

 

Enquanto criança iniciou seu labutar na antiga Relojoaria Sandoz, quando ainda com dez anos de idade atendia no balcão e exercia a função de office-boy. Na Sandoz (Rua Venâncio Neiva, 214) ele deu seus primeiros passos no mundo dos relógios, aprendendo todos os detalhes com o relojoeiro Macedo, ofício que exerceu por toda vida. Segundo Tio Pedrinho, seu irmão, ele aprendeu não só sobre as peças e consertos, como também as lorotas contadas para os clientes. Na juventude, já morando no bairro da  Palmeira, foi jogador e depois conselheiro do time de futebol do XV de Novembro, com quem dividiu os campos com conhecidos jogadores como Mário Buchudo, Nêgo Biu, Nêgo Roberto e seus irmãos Zezé e Joaozinho. Casou-se com a Sra. Guia Queiroz, com quem teve cinco filhos (Valéria, Virgínia, Mônica, Marinho e Carlinhos).

 

Tio Nezinho em 2006

 

NA QUADRA CRONOLÓGICA DE 1960, foi um dos fundadores da Vila do Sesc; sua honestidade e serenidade eram nítidos nas confraternizações que fazia com a família e vizinhos, em festas de São João e no interessante trabalho social que fez com a criação do time de futsal Vila do Sesc, ganhando muitos títulos no Estado e revelando jogadores como Vando e Paulo Cézar nos anos 1970 e 1980. A sede da equipe era a quadra do Sesc, onde Nezinho passou a treinar diversos jovens, iniciando-os naquele esporte, tirando-os da vulnerabilidade social em que viviam.

 

Em minhas caminhadas pelo centro de Campina, sempre visitava meu Tio em sua relojoaria. Como um ritual, dava um beijo carinhoso em sua carequinha e recebia de agradecimento a seguinte frase: “Bruno, quero bem a você como um filho!” Sempre levava meus artigos publicados no extinto jornal Diário da Borborema para ele ler. A todo momento recebia recomendações e verdadeiras aulas de hombridade e humildade em nossas conversas. Junto com o ‘Zé’, que o ajudava na relojoaria, cantávamos músicas de Nelson Gonçalves cuja preferida dele era ‘Meu vício é você’.

 

Havia um programa matinal na Rádio Borborema apresentado por Evilásio Junqueira de Almeida e Paulo Roberto Florêncio, dois ícones do rádio parahybano. Nele, a gente ainda podia ligar e falar direto ao estúdio, diferente de hoje em dia em que a maioria dos programas só recebem áudios a partir do whatsapp, será uma espécie de censura? Nesse programa, eu trocava diariamente afagos com meu Tio Nezinho, ligava oferecendo uma música de Nelson Gonçalves e em minutos ele respondia: “Bom dia a todos, para meu querido sobrinho, ofereço uma música de Altemar Dutra…” Era como ganhar a manhã, o dia. Boas energias.

 

A Relojoaria de Tio Nezinho já não era simplesmente uma oficina de relógios, mas sim um lugar de sociabilidade da cidade. Diversas personalidades frequentavam a Relojoaria, defronte ao cartório dos Cunha Lima, onde ouviam as inteligentes piadas e a sua serena opinião sobre os mais diversos assuntos, principalmente sobre o futebol da cidade, sobretudo do TREZE, seu time de coração. Amante da vida, para ele não existia tristeza, sempre estampava um largo sorriso no rosto, contagiando de felicidade todos que o cercavam.

 

É incrível como ao fechar os olhos, pareço estar na relojoaria. Relógios dependurados nas paredes, alguns ocupando parte do balcão, um cheirinho de graxa inconfundível, ferramentas organizadas e ele, Nezinho, com as unhas bem pequenas e um monóculo no olho, exercendo o seu mister.

 

Desde sua partida em janeiro de 2007 que sofremos sua ausência, mas sei que daí, do céu , você e nossos familiares tem olhado pra gente. A saudade é imensa, a dor, incurável, mas a vida é assim, uma vela acesa prestes a ser apagada.

 

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