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Thomas Bruno Oliveira em : Carta a um amigo

 

Carta e tinteiro – Jakub Krechowicz

Não é novidade para ninguém a posição política que tenho, sobretudo no que se refere a defesa de nosso patrimônio cultural. As colunas em que já me ocupei em escrever, quer seja nos jornais impressos ou mídias digitais, sempre evocaram a denúncia da destruição, o esclarecimento da importância de se preservar e a busca incessante em colaborar com o um cenário em que a destruição seja travada e a história resguardada. Ao escrever sobre a destruição que impera em Campina Grande e o detalhamento sobre vários monumentos que perdemos, falei há algum tempo sobre o desmanche da chaminé-bueiro da fábrica de bebidas Caranguejo e, para minha surpresa, recebi uma missiva de um amigo e empresário da cidade questionando esse apego por coisas velhas, que eu deixasse, então, meu carro e fosse usar um DKV ou um Gordini e outras coisas mais. Resolvi, portanto, elaborar uma pequena resposta, que trago a seguir:

 

Caríssimo amigo,

 

A preservação do patrimônio é a garantia de que a nossa história possa se perpetuar no tempo, chegando ao conhecimento de futuras gerações demonstrando como determinada sociedade caminhou e para onde pode ir. Não existe povo sem história. No referido caso, as chaminés são tombadas porque elas remetem a uma época importantíssima da história de Campina Grande que é a sua primeira etapa de industrialização, quando pioneiros como parentes seus, inclusive, fizeram dessa cidade um empório comercial e industrial. Por que a grandeza de Campina não a faz reconhecer seu próprio passado? Qual o projeto arquitetônico que não caberia uma interessante chaminé como aquela? Por que derrubar? Qual o interesse em esquecer esse passado? Temos hoje uma elite que não quer lembrar a história e só pensa em destruir para erguer “belos” prédios, estacionamentos e casas futurísticas. Ao contrário, em Recife, casarões antigos não precisam ser destruídos, eles viram escritório do prédio que se ergue por trás dele. A sede da antiga Fazenda Boi Só (Alphaville João Pessoa) não precisou ser demolida para a existência do condomínio, ao contrário, virou um chique salão de festas.

 

Desmonte da chaminé, testemunha da 1ª etapa de industrialização da cidade

 

Prédios tombados não devem ser esse empecilho nem para o dono nem para o estado. Defendo que haja, pelo menos, uma isenção de impostos como atitude compensadora e também que o estado possa colaborar também com a pintura. Eu entendo assim, mas quem faz a lei (com seus interesses e desconhecimento da sua própria história), não age por esse estado de preservação. É exatamente por isso que o Brasil, desse tamanho, com um patrimônio invejável, pena a cada dia com tanta precariedade na preservação de seu patrimônio. A Europa vive do turismo, o Museu do Louvre em Paris recebe mais turistas por ano que o Brasil todo. Tem lógica uma coisa dessa?

 

Casarão da antiga Fazenda Boi Só, hoje salão de festas do Alphaville João Pessoa

 

Andar de Jeep 51, Gordini ou DKV não é simplesmente demonstrar que gosta do antigo, o colecionador que o possuir, deve ter uma boa condição financeira. Eu gostaria de comprar um fusquinha (o Volks), mas não tenho essa condição. Agora poderíamos ter um museu do automóvel para mostrar as gerações como se andava antigamente, sempre fazendo uma ponte com o presente. Ter um prédio antigo em área de preservação, se bem orientado, além de ser altamente lucrativo, pode-se tornar atração turística como a farmácia mais antiga lá em Araruna, a bodega (com belo mobiliário em madeira) mais antiga de Camalaú. Vai gente de todo canto para tirar uma foto, comer um doce e isso por si só já demonstra que a atividade turística é uma das mais prósperas do mundo, não no Brasil, onde se deseja esquecer o passado, mirar um futuro sem qualquer referência e sem conviver com seus percursos históricos. Só pensam que o futuro resolve tudo. Talvez estratégias de poder, esquecer sempre o passado, o que o outro fez. E esses que “pensam” é quem tem condição financeira de comprar, trocar, vender, negociar prédios e lugares históricos, a população pobre e trabalhadora que muitas vezes foi quem deu sentido aquele lugar de memória fica totalmente a mercê do processo. E estamos caminhando para uma amnésia histórica e destruição total das marcas do passado, eu sou terminantemente contra.

 

Uma das bodegas mais antigas do Cariri Parahybano em Camalaú

 

E entenda: Um povo que não conhece a sua própria história, está fadado a repeti-la, sobretudo seu erro mais crasso.

 

Com estima,

Um forte abraço!

 

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Publicado na coluna ‘Crônica em destaque’ no Jornal A União de 22 de janeiro de 2022.