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Tentações jurídicas ( Marcos Pires )

 

 

Chegando aos 40 anos de advocacia lembro bem que jamais imaginei-me advogado. Eu tinha a melhor profissão do mundo; era filho de rico. No entanto fui “despedido” quando meus pais perderam tudo, sem grana sequer para contratar um advogado. Tive que me fazer advogado no único intuito de defender minha família. Só que quem trabalha para patrão pobre pede esmola para dois, daí ter-me atrevido no mundo jurídico defendendo outros constituintes para sobreviver. Hoje vou contar a vocês algumas das muitas tentações às quais fui exposto nesse tempo.

Eu e alguns amigos (muitos deles hoje são Juízes e Desembargadores) fomos contratados como advogados do então candidato Fernando Collor. Instalamo-nos no hotel Tropicana, onde chegamos a ocupar metade do estabelecimento. Entre tantas aventuras que vivemos naqueles dias, a que mais nos marcou ocorreu logo no início do segundo turno (Collor X Lula). Em meio a um mundo de gente que chegava querendo ajudar surgiu um afrodescendente americano que não falava uma palavra em português. Com quase dois metros de altura, pesando uns 150 quilos, Mr. James foi um sucesso. Não somente pela aparência, mas porque queria financiar a campanha. Hospedou-se na melhor suíte do hotel e enquanto resolvíamos como encaminhar o assunto, pagava almoços e jantares para todo mundo, banquetes regados aos melhores uísques e vinhos. Eu, JR, OQ e todos os demais advogados queríamos ter certeza que o gringo sabia de quanto tratávamos e chutamos alto, muitos milhares de dólares. Mr. James disse que estava havendo um engano, ele não queria financiar o segundo turno da campanha só na Paraíba. Queria o orçamento nacional. Talvez aquela tenha sido a noite mais mal dormida que tivemos. Nossas esposas estavam a par de tudo e despertou nelas o receio de que com tanto dinheiro em discussão nossos filhos pudessem ser sequestrados. No dia seguinte chegamos ao hotel dispostos a mandar o Mr. James para Brasília, procurar a direção nacional da campanha. Evidentemente nossa esperança era a de que, tendo conseguido aquele financiamento, sobresse algum “incentivo” para nós.

Cadê Mr. James? Procura daqui, pergunta dali, finalmente soubemos pelo vigia do hotel que ele fugira na noite anterior, sem pagar a hospedagem nem os extras (bebidas e comilança). Tempos depois eu soube que um baiano fora preso aplicando esse golpe por todo Brasil. No interrogatório “científico” ao qual foi submetido teria feito referência ao nosso comitê.

Eita que acabou o espaço e eu não falei sobre o saco de esmeraldas, a adoção de menores, a liberação do bloqueio bilionário… Tem nada não, próxima semana eu conto.

Feliz pascoa.