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             Sem querer, um bombom por um voto (Damião Ramos Cavalcanti)

 

          Numas recônditas cidades de pequenos municípios do oeste brasileiro, nas relações da sua gente, nada era escondido. Parece que quanto menor a população, maior é o número de fuxicos e intrigas, assim a vizinhança dos motivos de encontros e desencontros pula os muros das casas. Na rua, a cada encontro, um sonoro bom-dia ou boa-noite; a cada desencontro, um muxoxo ou uma rabiçaca. Nos poucos bares, diariamente, o jornal do dia, ou o assunto que imperava era o mistério e desafio do temeroso “arranca-língua”, bicho gigantesco, em forma de lobisomem, noctívago, que rondava as fazendas da região, atacando rebanhos bovinos, e preferindo as vacas, e somente as vacas, para arrancar-lhes a língua e por ali chupar o seu sangue, sem desprezar uma gota sequer; curiosamente, sem mexer em qualquer outra parte do corpo, a não ser sempre a língua. O povo fez disso folclóricas superstições, incorporando-as às coisas da fé.
         Algumas rezadeiras interpretavam que isso era um aviso aos mentirosos ou aos linguarudos e que esses cuidassem das suas próprias línguas… Acreditaram tanto nesse mito que a imprensa goiana, mineira e carioca se ocupou, aqui e acolá, desse assunto. Mas, veterinários e os padres de cada cidade, pacientemente, fizeram de tudo para que acabassem com aquelas crendices, purificando a fé, com a explicação de que se tratava apenas de uma epizootia, pandemia que atacava aquela região.
          Quase na fronteira entre Tocantins e Goiás, estava Campos Belos, bela, pacata e hospitaleira, que, sabia dessa história, mas que nunca tinha sofrido perseguição do “arranca-língua”, e, talvez por isso, de tal município não se ocupava a imprensa. Nessa modesta cidade, as línguas se dedicavam a saborear o que fazia corretamente sua população, além do corte da carne bovina, dos seus gostosos queijos caseiros, e dalgum artesanato, onde se sobressaía o costume característico de Aurolino José dos Santos, irmão da querida Genesy. Apelidado de Ninha, ele preservava o costume de dar bombom a quem encontrasse pelas ruas; fosse criança ou adulto apreciador de bala, estaria sempre agraciado por um confeito, o que se tornou atração folclórica da cidade.
          Sua popularidade propôs que ele se candidatasse à Prefeitura de Campos Belos. Porém, em certo dia da campanha, entrou na barbearia para a bendita distribuição e teve a má sorte de interromper o barbeiro que fazia barba e cabelo do Promotor. O homem da justiça, irado, ameaçou-o de prisão e de processá-lo, alegando que Ninha estava comprando, enquanto candidato, voto com bombons, embora não importasse o preço quase simbólico de uma bala. Ninha foi eleito, seguido pela acusação do Promotor, que lhe tirou parte do gosto da vitória. Defendeu-se com dois argumentos fortes; primeiro, que sempre gostou de bombom e de distribuí-los às crianças; segundo, que criança não vota… Contra-atacado, de que a criança agradada pedia voto ao pai, isso não convenceu o Juiz… Ganhou a causa, de que não tratou a imprensa…  E quanto mais construiu creches e escolas à criançada, mais foi reeleito, sendo prefeito da cidade por quatro mandatos. Depois disso, como engenheiro construtor, parou de distribuir as balas e nunca mais foi reeleito.
         Os fatos, quanto ao tempo e ao espaço, relacionam-se entre si e, mesmo simples, revestem-se de características topológicas, no Oeste ou alhures, e muito nos falam, seja de homens, seja de bichos…     

Damião Ramos Cavalcanti

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