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    Se pássaros, nascemos para voar   (Damião Ramos Cavalcanti)                         

 

         Os nossos aniversários nos confrontam menos com o eventual momento da morte do que com os instantes em que nascemos. Sobre os misteriosos da morte, imagino. Pode ser a qualquer momento; sobre os do nascimento, também imagino, nas descrições daqueles que já tinham nascido. Sobre os da morte, sem tê-la experimentado, como descrevê-los? Contudo, fala-se mais da morte do que do nascimento… O da morte é sempre uma pergunta que, quando obtém resposta, ninguém volta para nos dizer, se houve um clarão, iluminando as portas de um absoluto prazeroso ou uma escuridão a um infinito desconhecido. Escrevo às vésperas do meu aniversário, como se fosse um pássaro, depois de muitos voos vividos, ainda com asas, com quase todas as penas…    
          Não sei como eram os dias do ano em que nasci, como que teriam feito homem ou mulher, ou já crianças, no entorno da minha despercebida convivência. Deveriam ser diferentes da gente de hoje. Poucos daqueles dias, ou quase nenhum, existam mais, para contar o que faziam, naqueles nossos momentos de vida; devo ler nas suas memórias escritas ou nas suas descrições para minhas curiosidades. Talvez. Certamente, teriam dormido cedo, depois de avisados de que o motor de energia elétrica iria parar, determinando-lhes o candeeiro à querosene, com luminosidade ao meio-sono. E acordavam cedo, antes das seis da manhã, às vezes, com o dia meio escuro, ainda com as amenas cores da noite, já com o canto do galo, que se espreguiçava no quintal. Sim, todas as casas da minha infância tinham quintal, com galinhas, galo e frutas.   
          Mas hoje, nesse aniversário, os costumes antigos se modificam também à medida que as distâncias diminuem. Atualmente alguns hábitos quase não têm tempo para virar costume, logo desaparecem. Tudo é um acontecimento veloz, sem raízes nos valores do passado. Os mais idosos reclamam desse abuso dos mais jovens que não respeitam, sem qualquer especulação, o projeto de nossas vidas e dos costumes que sempre as moderaram. Por isso, qualquer interrupção como a morte é considerada um verdadeiro e incompreensível absurdo.
          Quando era criança, também para os meus pais, as cidades eram bem mais distantes. Ninguém diria “domingo, irei à China”. Primeiramente porque economicamente não havia recursos; depois, somente a viagem seria um longo tempo de ausência em Pilar, de onde se partiria. Nesses aspectos, a tecnologia, que nos faz correr com muita rapidez, transforma nossos comportamentos e consequentemente muitos dos costumes, ao nos aproximar do mundo distante.
          Ora, acontece rapidez em tudo, inclusive nos nossos aniversários que, festejados agora, logo, logo, talvez ocorrerão em abril de 2025. Enquanto existimos, viver é sonhar, imaginar, construir e realizar projetos. Nesse contexto, penso como se estivesse na festa do poema do voo, do pássaro que ainda confia na força das suas asas, não precisa ser águia, basta ser pássaro, para amar a vida e o voo. Se pássaros, nascemos para voar… E nossos sonhos nos emplumam. O meu ex-professor e poeta Daniel Lima nos inspira à continuação das nossas vidas: “Até o fim, o pássaro confiará em suas asas e voará acima do abismo que o chama”, antes de sua asa ser partida.
 

Damião Ramos Cavalcanti