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Blog do Vavá da Luz

ROLETE DE CANA (MARCOS SOUTO MAIOR (*)

 

                Faz muito tempo, e bota tempo nisso, que não mais vejo os vendedores de roletes de cana caiana, circulando nos pontos de ônibus, saídas de colégios, feiras semanais, festas de ruas, praças e ruas movimentadas do comércio e, em campos de futebol aonde ia com meu pai Hilton, quando o Botafogo da Paraíba jogava nos estádios da minha querida cidade. Tudo se resume na mais gostosa e pura aventura nordestina de se cortar touceira de longas canas, nas duas extremidades imprestáveis às pessoas. Diferente na seguida escolha de peça por peça, o boia fria, sempre vai com uma foice amolada na mão áspera para deixar as peças de cana mais suculentas de grandes plantações. Em seguida, as folhas ásperas do canavial, para quem não tem experiência, se arranham ou cortam mãos atrevidas que insistem em limpar o pelo fino da poeira, em pleno sol de pouca água para cultivo. Com chapéus de palhas, panos de algodão grosso protegem orelhas, pescoços, braços, e a testa, com sapatos ou botas de borrachas que logo decepam o olho da fruta em sua parte soterrada. Logo, a casca grossa é cirurgiada por amolada faca peixeira, com cabo de madeira de quinze polegadas, fazendo deslizar nas extremidades, deixadas na capa da doce fruta, se parecendo com peças brancas de jogos de dama, nas mesas de velhos aposentados.

Nasceram assim os roletes doces com os talos de um palmo de bambu, cortados e enfiados a cada peça, para formar um perfeito buque perfumado e doce, alardeados pelos tabuleiros de vendas, com pregões públicos dos vendedores que a cultura popular nos deixou, a exemplo da presença poética do saudoso Deolindo Tavares, nordestino do Recife, alardeando: “Rolete, rolete de cana caiana… Menina, menina Meninafaceira, prova um rolete de cana caiana e com teus lábios bem sujos, bem doces, vai correndo depressa beijar a boca daquele que diz te amar. Rolete, rolete de cana caiana, chegadinha do Brejo de Deus e de Santana.”  

 Semana passada, fui à pequena cidade de Salgado de São Felix, encravado no semiárido paraibano, a fim de acompanhar procissão católica pelas ruas da cidade e, antes de começar, o sol de verão me obrigou a procurar uma venda e comprar uma água de coco verde. Pois não é que, lá encontrei numa larga coluna de tijolos, um molho de canas caianas estateladas e prontinhas para caldo hidratante que não cheguei nem a ver… Segui na procissão contrita à Santa Rita de Cássia, de quem sou devota e recebi graças celestiais! 

A política dos patrões da cana de açúcar mudou todo panorama brasileiro, mandando embora os operários e mudados por ágeis máquinas colhedoras, que substitui a cada cem camponeses. Até porque, a reforma agrária inexiste e a foice amolada, que já fora o símbolo da luta armada pelos sem terras, virou um partido político que invade e destrói violentamente os espaços territoriais ocupados e registrados em cartórios.

Lembro-me agora, que chupar cana de açúcar é um linimento agradável, doce e fortificante que deixa a boca escancarar de satisfação e amor. Contudo, o bagaço que ficou não mais serve para nada, senão o lixo industrial das usinas para complementar a alimentação animal e um quê de memória viva e histórica deste tempo sem retorno! 

(*) Advogado e desembargador aposentado