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RAMALHO LEITE EM : Oposição sem esperança


Ramalho Leite 

Fazer oposição nos dias de hoje é um exercício de fácil desempenho. A imprensa está aberta às publicações de críticas e até leviandades que se cometem contra os detentores do poder. A democracia é plena e resiste a todas as investidas e contestações, sem represálias.Meros servidores públicos, sem mandato a protegê-los, ocupam paginas de jornais ou emissoras de rádios para criticar o governo a que servem e nada temem. Raros são os gestores que recorrem à Justiça para exigir retratação ou reparação pelo dano moral que venham a sofrer.No passado, tudo era muito diferente e prevalecia a lei da força sobre a força da lei.

A partir da segunda década republicana, na Paraíba, a história registra a presença de um exemplar homem público que acumulava o ofício de magistrado com a de chefe oposicionista. Refiro-me ao desembargador Heráclito Cavalcanti, iniciado na vida pública como promotor de justiça. Foi juiz por dez anos, em Itabaiana, e depois desembargador, durante vinte. Como juiz e chefe político daquela cidade, impulsionou o seu progresso e elevou-a, até 1915, a um dos centros comerciais mais importantes da Paraíba, superando até Campina Grande, conforme compara Osvaldo Trigueiro. Sua presença na chefia política ofuscava o administrador legalmente investido no cargo de prefeito.

Há umas três semanas tenho me referido a Osvaldo Trigueiro de Albuquerque. É que no próximo mês estarei, para honra minha, ocupando a cadeira que o tem como patrono no Instituto Histórico. Daí porque mergulhei nos seus escritos e vasculhei as memórias do político, jurista e historiador que chegou à presidência do STF depois de exercer o governo da nossa pequenina.Para ele “nada mais difícil em política, do que manter, na forma de combate e por muito tempo,uma oposição sem esperanças”. E essa foi a missão do desembargador Heráclito, entre 1915/1930: fazer oposição ao todo poderoso Epitácio Pessoa e seus delegados locais, escolhidos a bico de pena e por imposição epitaciana, a começar de Castro Pinto e continuando com Camilo de Holanda, Solon de Lucena, João Suassuna e João Pessoa, para falar apenas nos titulares, esquecendo os substitutos eventuais.

Para se ter uma idéia da mão de ferro de Epitácio, conta Osvaldo o episódio ocorrido quando da morte do seu irmão Antonio Pessoa. O juiz federal Caldas Brandão teria ido ao Palácio apresentar os pêsames ao governante Camilo de Holanda, e este ironizou: “Ora,Caldas, você se dando a esse trabalho.Com a chegada de Antonio Pessoa, o inferno vai ter três dias de festa…”.Esse desrespeito à memória do político de Umbuzeiro, irmão do Presidente da Republica, jogou Camilo no ostracismo, excluído, inclusive, da chapa de deputado federal, ação que não perdoou jamais. Terminou seus dias subsistindo com os proventos de médico reformado do exército.A injuria não seria esquecida, mas Osvaldo Pessoa, prefeito da capital,sobrinho de Antonio e de Epitácio, e irmão de João Pessoa, inaugurou, anos mais tarde, um estátua de Camilo de Holanda, na balaustrada das Trincheiras, obra de seu governo que Epitácio julgou um “imperdoável desperdício”.

Pois foi nesse clima que sobreviveu Heráclito Cavalcanti, combatendo com unhas e dentes o epitacismo dominador. Com a vitória da revolução de 1930, era ele o principal alvo da vingança dos liberais. Escapou da retaliação refugiando-se em um navio cujo comandante recusou-se a entregá-lo à prisão, levando-o de Salvador, onde se encontrava na missão impossível de reverter o quadro, até o Rio de Janeiro.Protegido por um irmão e um cunhado, ambos militares, refugiou-se em uma embaixada, e depois ficou exilado em Portugal por mais de dois anos, vivendo da hospitalidade de estancieiro português. Foi posto em disponibilidade e depois demitido da função de desembargador. Regressando à Pátria, ficou morando no Recife.Ainda veio à Paraíba uma vez, hospedando-se com uma filha em Itabaiana e, mesmo sem recursos, promoveu um Natal dos Pobres na comunidade de Pirauá, hoje pertencente a Natuba, na fronteira com Pernambuco. Recorreu à Justiça para reaver seus proventos. Ficaria à família a satisfação de ver reconhecidos esses direitos, graças à prestimosidade do interventor Rui Carneiro, que cumpriu a sentença judicial. Isso garantiu um casinha para a viúva, “luxo” que o desembargador nunca conseguira usufruir.

Antes que me esqueça, esse grande paraibano nasceu em Bananeiras, onde seu pai foi Promotor de Justiça lá pelos idos de 1872.