As peças da forca existente em Areia permaneceram durante sessenta anos no salão do júri local. Com a demolição do prédio, em 1922, esse madeiramento histórico, que deveria ser peça de museu, foi reaproveitado na construção civil, sem que “uma voz desse um grito de alerta”, reclama o areiense Horácio de Almeida. Enquanto existiu a pena de morte no Brasil, os jurados da Vila Real de Brejo de Areia autorizaram a pena capital em várias oportunidades, todavia, apenas em duas ocasiões o carrasco foi chamado a colocar a corda no pescoço do condenado. Um “simples roceiro” escapou do cadafalso e seu processo conquistou espaço na história mais pelo advogado que o defendeu. O promotor Trajano Chacom tentou levá-lo à força mas esbarrou com a defesa do advogado José Antonio Pereira Ibiapina, depois Padre Mestre Ibiapina, que lhe salvou a pele. O sentenciado cometera homicídio ao flagrar a esposa em adultério com o próprio pai. O futuro padre conseguiu provar a improcedência da acusação.Só mesmo um milagre….
O primeiro sentenciado a morrer na forca em Areia foi o escravo Marçal, por volta do ano de 1847. Pertencia à senzala de Manoel Gomes da Cunha Lima, senhor do Engenho Mundo Novo, território herdado por seu filho o doutor José Antonio Maria da Cunha Lima e depois passado para o neto major Cunha Lima. Marçal era casado e tinha filhos a serviço da mesma Casa Grande. Não suportou assistir sua mulher ser chicoteada no tronco e, ao reagir, além de ferir o patrão, tentou estrangulá-lo. Foi condenado à morte na forca, por tentativa de homicídio. Até o seu senhor considerou exagerada a pena, mas já era tarde demais, conta o autor de Brejo de Areia. A sentença foi executada.
Caso famoso e ainda despertando a curiosidade dos historiadores dos nossos dias, foi o processo a que respondeu Carlota e seus asseclas, pela encomenda e morte de Trajano Augusto de Holanda Chacon Cavalcanti de Albuquerque. Era o dia da eleição de 1849, quando ainda comemorava sua vitória para exercer mandato de Deputado Geral, derrotando o Coronel Quincas, que assinava Joaquim Jose dos Santos Leal, e se fizera amante da sertaneja Carlota, que aportara no brejo há menos de cinco anos. A morte do deputado Chacon foi uma verdadeira conspiração que procurava obter dividendos políticos mas movida pelo ódio que Carlota nutria contra o adversário de seu amante, este, por sinal, estava h&aa cute; muitas léguas da cena do crime, mesmo disputando a eleição pelo Partido Liberal. No primeiro julgamento, Carlota e Antonio Beiju, a mandante e o executor do crime foram condenados à morte. Como o pau só se quebra no espinhaço do mais fraco, apenas Beijú conheceu o carrasco areiense.
O segundo julgamento ocorreu em 1853 e, nessa ocasião, vamos encontrar debatendo-se no júri, como acusador, o promotor Diogo Velho Cavalcanti, mais tarde Visconde de Cavalcanti e, na defesa, o advogado bananeirense Manoel de Aragão e Melo.Os jurados obedeceram aos chefes políticos locais e a sentença foi mantida quase integralmente. Apenas Carlota teve a pena comutada para galés perpétua a ser cumprida em Fernando de Noronha. Seu tempo de confinamento na ilha não foi dos piores. Durante seu “suplício”, além das delícias das praias de Noronha, abusou das regalias de se ter tornado amante do governador da ilha. Uma figura do mal, essa Carlota. Destaque-se que o Imperador era magnânimo em caso de pena de morte e seria possível obter o seu perdão. Temia a família Chacon que Antonio Jose das Virgens, o Antonio Beiju, não chegasse à forca. Um irmão da vítima, Padre Antonio Chacon, vigário do Pilar, partiu para a Corte e conseguiu chegar aos pés de Pedro II levando como prova a camisa ensangüentada do irmão trucidado. Seis anos depois desse encontro, o Imperador manteve a sentença e Beiju foi enforcado.
A cerimônia de execução da pena de morte obedecia a um ritual surrealista, e ninguém melhor que Horácio de Almeida para nos legar essas cenas. Procurarei resumir, sem perder de vista o palco dessa festa macabra. Tres dias antes da execução se armava um oratório na cadeia.O padre confortava o condenado no primeiro dia, ouvia-o em confissão e lhe dava a comunhão no segundo e, no terceiro, levava-o ao sacrifício. Formava-se uma procissão com todas as autoridades, as ordens religiosas e o povo em geral. Os estudantes das escolas eram obrigados a acompanhar o cortejo. O réu era coberto com um manto e capuz brancos, pés descalços e algemado seguia à igreja onde ouvia a missa até a recitação do Credo e em seguida beijava a imagem do Cristo que lhe era apresentada pelo vigário. A força publica fazia essa procissão andar e, a cada parada, o meirinho repetia a sentença. Subiam ao cadafalso o condenado, o carrasco e o padre. Colocada a corda no pescoço do infeliz, a voz do padre descendo as escadas e rezando o Credo em voz alta era o único som permitido. O carrasco colocava os pés no ombro do enforcado e fazia força para apressar a sua morte.Os estudantes, após assistirem á execução, de volta à escola, eram castigados com a palmatória, para que não seguissem o exemplo do condenado. O pregão do meirinho nunca mais seria ouvido naquelas plagas: “que morra de morte natural no lugar da forca”.