Quando o nosso dinheiro sumiu
Marcos Pires
Os brasileiros acordaram há 32 anos quase lisos. Só podiam sacar apenas 50 mil cruzeiros novos de todo o dinheiro que mantinham em depósitos. Pouco importava se a grana estivesse em aplicação financeira, conta corrente ou até mesmo na até então inviolável caderneta de poupança.
Era o plano Collor, que impôs um feriado bancário de 3 dias. Enquanto a ministra Zélia Cardoso de Melo e o presidente do BC, Eris, tentavam explicar que aquela grana confiscada seria devolvida em 18 meses com juros de 6% ao ano mais correção (o que não aconteceu), a população começou um ciclo de vida que mal comparando seria uma meia pandemia covid, eis que ninguém tinha a menor ideia de como sobreviver sem grana. A justificativa do governo era o controle da inflação e o investimento em projetos econômicos.
Não podia dar certo e não deu.
Quer dizer, não deu para muita gente, mas com certeza foram tempos maravilhosos para mim e meu então sócio e eterno grande amigo José Wilson. É que começamos uma serie de ações na Justiça Federal cuja vitória foi quase imediata, conseguindo ordens judiciais de desbloqueio dos tais ativos financeiros. Lembro que ganhávamos a título de honorários um percentual sobre as quantias desbloqueadas, e nosso modestíssimo escritório (uma atravancada sala no edifício Paraná) de repente encheu-se de clientes.
Algumas vezes tivemos que reduzir o percentual de honorários, como por exemplo quando desbloqueamos o valor recebido por uma família poucos dias antes do advento do plano Collor à conta da venda de uma enorme empresa.
Porém uma vez quase tomamos um grande prejuízo. Ocorre que um antigo professor nosso, muito querido, também tinha uma quantia bloqueada e nos procurou para fazer nossa magica jurídica. Eu e Zé combinamos que não cobraríamos honorários eis que o enorme respeito que tínhamos pelo mestre e a quantia ínfima que seria desbloqueada impunham essa homenagem. O cliente não aceitou. Queria porque queria pagar honorários. Depois de muita peleja concordamos em cobrar dele, sei lá…1% do valor a ser liberado. Tudo certo.
Tudo certo não, tudo errado!
É que o querido professor pensando que nos prestigiava disse aos seus amigos que fazíamos um excelente trabalho…cobrando apenas 1% de honorários. Imaginem, queridos leitores, a bronca que deu desfazer a situação sem que o cliente original soubesse da patranha que havíamos armado.
Foi uma época de ouro para os advogados. Lembro que um colega de Brasília chegou mesmo a cogitar construir na mansão dele, recém adquirida com honorários vindos do desbloqueio das poupanças, estatuas de Collor e Zélia. Não foi em frente por conta de um certo bolero dançado pela Ministra com Bernardo Cabral, mas essa já é outra história.