Poropoté que tirou o meu chapé
O casal Nelson e Maria Ramos, a Poté. Meus avós paternos
ESSE FOI O MANTRA que me acalentou durante anos. Minha avó, Maria Ramos de Oliveira, aos quarenta e quatro anos, me tomava nos braços e, embalando em uma cadeira de balanço, cantava com sua doce voz: “Poropoté, que tirou o meu chapé…” e eu, bebê, não me continha na risada. Essa singela canção marcou nossa vida e nossa história. Dentre as minhas primeiras palavras ditas, entre Papai e Mamãe, estava Poté. Essa minha avozinha paterna completou ontem (dia 09 de setembro de 2022) exatos oitenta e dois anos de uma existência linda e maravilhosa para toda a nossa família. Ressalto que hoje todos os primos e alguns vizinhos a chamam de Poté por minha causa.
Maria Ramos acrescentou o Oliveira em seu sobrenome depois de ter casado com meu avô, Nelson José de Oliveira, ambos dessa área polarizada por Campina Grande; ela de Puxinanã/Montadas, ele da Mumbuca, entre Puxinanã e Pocinhos. Contraíram matrimônio em Campina Grande, ele morando no alto da colina da Palmeira e ela em região limítrofe, próximo ao Alto Branco nas cercanias do centro da cidade em meados da década de 1950. A família cresceu, foi tentar dias melhores em Recife-PE e, infelizmente, em um ato covarde, meu avô aos trinta e cinco anos foi assassinado dentro de casa, na madrugada, por ladrões. Mas agora eu quero e preciso falar de Poté, que também é Dona Socorro. Engraçado. Morando em Puxinanã, ela e sua irmã tinham o mesmo nome no registro: Maria Ramos, coisa dos escrivães de antigamente; daí minha avó virou Socorro e sua irmã virou Salete, como são reconhecidas até hoje.
Flagrante na cozinha de casa, na AV. Costa e Silva
Poté é uma pessoa tão emblemática na minha vida que nasci e fui – ou melhor, fomos Papai e Mamãe – morar em seu lar, uma pequena casa na Av. Costa e Silva com quem ela morava com oito filhos e um cunhado, meu amado tio-avô Pedrinho, e que sempre recebia visitas de parentes, dando guarida. Poté, nunca se queixou de qualquer visita, de qualquer adversidade. Como uma grandiosa e excelente mãe, recebia todo mundo com carinho, compartilhando o pouco que existia.
É comum que as famílias menos abastadas, ao estar na cidade “grande”, passem a viver de aluguel. E foi exatamente a nossa vida e nossa saga durante um tempo, porque se sabe que quem vive de aluguel tem vida errante. Na semana que nasci, Papai estava desempregado e a casa de Poté foi nosso pousio por um bom tempo, até Papai e Mamãe poder alugar nosso novo lar. E nessas mudanças, Papai escolhia uma casa e já visava outra próxima, para Poté, e assim foi nos bairros do Centenário e Bodocongó, onde tempos depois ambos adquiriram as casas sob compra e esse lugar foi justamente na rua em que até hoje estamos, a Pacífico Licarião da Trindade, que graças a informações do livro Memorial Urbano de Campina Grande organizado pelo amigo Z’Édmilson Rodrigues, dá conta que Pacífico foi o primeiro defunto enterrado no cemitério N. Sra. do Carmo que é o nosso mais antigo, o Cemitério do Monte Santo, antigo Cemitério das Areias. Hoje tenho a imensa honra e alegria em morar ao lado de minha avó Poté; além disso, tenho minha avó materna Dona Lourdes e minha tia avó Salete também como vizinhas.
Com oito dos nove filhos comemorando seus 82 anos
Poté na companhia de sete dos seus netos
Das aventuras de ir visitar Poté, bem pequeno, lembro que no finzinho da década de 1980, na Rua Manoel Joaquim Ribeiro, dividimos as casas por um muro baixo. Eu, no afã de estar com minha avó, pulava o muro porque os pequenos portões rangiam alto suas dobradiças, denunciando a passagem. Pulando o muro eu achava que poderia escapar até que a sandália no outro lado espalmava no piso, fazendo minha mãe ouvir e: “Bruno, volte!”. Eu, emburrado, retornava pelos portõezinhos barulhentos. Que raiva! Foi para lá que eu disse que ia depois que minha irmã nasceu, enciumado com os cuidados de meus pais com a bebê: “vou morar com Poté, aqui não pode fazer nada pra não acordar ela”. Sempre, sempre um porto seguro.
Poté tem um temperamento leve, terno, tranquilo e levado pela simplicidade. Mediadora entre irmãos, entre netos, tem uma leveza que as palavras não dão conta de suas características, sua maneira de ser.
“Aquele cheiro meu…”
Sua leveza me surpreende o tempo todo, sobreviveu a covid-19 e, sempre sorrindo, nos beija e abraça. Aos trinta e três anos ficou viúva e, desde então, sua vida foi dedicada aos filhos e netos, o que faz até hoje. Durante a semana, sai a visitar os filhos, sempre atenciosa, relembrando histórias e as repetindo para os netos mais novos como ensinamento de vida. Essa grande mulher merece palmas, um ser singelo de sorriso abundante, resiliente. Me dá um gosto danado cheirá-la na cucuruta, um cheiro que é tão antigo, é todo meu. Te amo Poté, que tirou e tira meu chapé.
Veja também a crônica ‘Uma história de vida (Dia dos Pais)’ no link
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Publicado na coluna ‘Crônica em destaque’ no Jornal A União de 10 de setembro de 2022.