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Os nojentos privilégios  (Marcos Pires)


Claro que os queridos leitores sabem que privilégio vem do latim Privilegium, ou seja, “lei privada”. Ocorre quando legisladores (sempre eles, os políticos) produzem uma lei ou bem brasileiramente enxertem em qualquer projeto de lei um dispositivo que privilegie um determinado grupo ou alguém. É o jaboti, porque esses animais não sobem em arvores, principalmente a arvore legal. Vou citar dois exemplos para mostrar o que são os privilégios no Brasil.
O primeiro deles é recente e está totalmente documentado. Em 2017 o governo de Minas Gerais lançou um Refis (patranha legal que beneficia periodicamente os sonegadores) para facilitar a quitação de impostos devidos. Segundo a Lei 22.549/ 2017, os devedores poderiam também dar obras de arte para pagar seus débitos com a fazenda estadual. Era um jaboti cultural e com toca certa.
Por mais nobres que fossem as intenções, na verdade quem se beneficiava era Bernardo de Mello Paz, mecenas que construiu o belíssimo museu Inhotim. Afogado numa dívida bilionária com o fisco mineiro simplesmente deu como pagamento sua coleção de quadros, com a condição de que continuassem no mesmíssimo local. Ou seja, o Estado não poderia vender os quadros e aplicar na saúde, por exemplo. Em boa hora a justiça proibiu a patacoada.
Outro exemplo de uma lei “particular” quem deu foi Assis Chateaubriand. Poderosíssimo à época, teve uma filha, Teresa, com a atriz argentina Cora Acuña, que foi registrada só pela mãe. No início Chatô nem via a menina, mas com o tempo passou a gostar dela. O péssimo relacionamento dos pais levou o caso à justiça, onde disputavam a guarda da filha. Porém a mãe estava levando vantagem no processo mesmo contra o poder de Chatô. Então ele reuniu seus Advogados e teria dito: “- Se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a lei”. O que fez foi soltar os cachorros em cima do Presidente Getúlio Vargas. Por meses seguidos seus jornais e rádios espremeram Vargas até os ossos. Getúlio finalmente bateu pino e editou um Decreto-Lei que favorecia Assis na disputa, uma covardia jurídica. Foi tão escandaloso o fato que essa norma passou a ser conhecida como “Lei Teresoca”, forma carinhosa como seu pai a chamava.
Portanto, sempre que vocês virem uma lei nova não perguntem para o que serve. Perguntem para quem serve.
Se tiverem interesse no tema leiam “Os donos do poder” de Raimundo Faoro e “O país dos privilégios”, de Bruno Carazza.