Em pleno verão nordestino, depois do café da manhã, a partir das oito horas, começava minha caminhada a pé, pela beira mar. Era uma quase obrigação importante tanto para o físico quanto a mente, que os médicos recomendam, com inevitáveis paradinhas para ouvir as fofocas do dia! Depois de o sol esquentar, aí já perto do almoço, como mágica, aparecem centenas recipientes lotados de cervejinhas, estupidamente, geladas. Os tipos vão desde a mais barata e simples, que é a caixa de isopor, seguido das caixas térmicas, bolsas térmicas e, finalmente os coolers vistosos aguentando oitenta latinhas.
Sim, e as madames se arrumavam como podiam, num desfile de vai e vem de modas e muita maquiagem em todo corpo. Depois paravam para se deitarem ao sol sobre belas cangas de praia, estampadas e super coloridas, sem esquecer a tendência e grife do momento, sempre a mais cara. Os menos favorecidos da vida, não deixavam de ir ao movimento praieiro, injustamente sendo chamados de farofeiros, até porque a satisfação alegre é a mesma para todos.
Pois bem, numa dessas caminhadas matinais na beira mar, talvez exagerando no olhar, o desfile impecável do mulherio, não olhei bem para a linha d’água da praia e entrei apenas no volume que cobria só meus dedos dos pés e calcanhar. Aí pisei onde não devia… Era um ouriço-do-mar, que se parece com uma bola atolada na área molhada, com espinhos para todos os lados. Este, também era coberto pelas ondas mansas do mar secando, e senti como se tivessem aplicadas no meu pé, várias dezenas de agulhas de seringa! Apesar da dor, lavei meu pé direito dobrando-o até altura do joelho e tentei tirar o incômodo. Fui obrigado a chamar uma médica conhecida que, como uma mão de fada, utilizou pinça puxando devagarzinho os espinhos e, contando os mesmos. Aí eu dispensei a contagem do flagelo, mantendo apenas a retirada dos espinhos e seus venenos. Minha grande surpresa é que, passados mais de dois meses, meu organismo expeliu no meu pé, o derradeiro espinho!
O ouriço-do-mar se defende com o que dispõe, no entanto, são muito mais simples e inofensivos, se comparados com os espinhos da vida que deixamos evoluir em mentes frágeis, para se tornar um calvário insuportável. Quem padece de dor mental, pode também se entregar como dependente do mesmo que pode açoitar e perfurar a carne comandando o mal da flagelação. Sem solução prática, a psicose da dor vai se deixando invadir vagarosamente, para ser plenamente dominada e vencida.
Todavia, assim como os espinhos que tirei do pé, a vontade de viver é tudo que podemos fazer para apagar e destruir, imagens e sentimentos negativos. Uma espécie de dor diferente das demais, entretanto, sendo possível de reformulação, bastando com a mudança para um novo cofre forte, da mente de cada um.
Machado de Assis prelecionou: “Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos. Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas”.
Imagino ser preferível a simples gargalhada, profunda e gostosa do amor, do que o choro convulsivo dos quem não têm coragem de amar a si e ao próximo.
(*) Advogado e desembargador aposentado