Os Dias e as Peneiras de Sócrates.
Semana passada participei de um momento bastante significativo, mas muito além do que ele tinha na proposta inicial, que era simular um sinistro de trânsito – “um atropelamento numa faixa de pedestre”, que por si só já remete à falta de atenção ao próximo, visto que a vítima era um pedestre que tentava a travessia no lugar seguro, a ele legalmente destinado, mostrando que, por vezes, as estatísticas provam o total desrespeito às normas e leis vigentes do trânsito.
Afastado a alguns metros do local, passei a observar os sentimentos dispensados pelas pessoas, seres humanos, que estavam ao redor. Tão logo foi dado o comando de “gravando”, e no momento que a moto na cena “atingiu” os figurantes, as pessoas demonstraram vários sentimentos em volta:
– Um senhor de cabelos brancos, imediatamente se dirigiu para uma das “vítimas” ao solo, “dublês” que se retorciam de dores e convulsionando, e ofereceu ajuda, tentando levantá-los, preocupando-se, até ser avisado quererá uma simulação. Outras pessoas também demonstraram esse comportamento, agindo com gritos, pedindo atenção etc.
-Por sua vez, a maioria ligava o celular na câmera e começava a filmar, sem nenhuma ação que levasse ao socorro, atendimento, comunicação com os envolvidos, vivendo naquele instante um momento de cinegrafista do evento caso, desdenhando do que acontecia, e sequer perguntando se era real ou irreal a cena ali encontrada.
-Uma criança de uns 12 anos de idade, da calçada, também me chamou a atenção, pois ela comunicava ao senhor de cabelos brancos como deveria agir de maneira correta com o dublê que estava ao solo, e outro gritando para chamar, ligar para o SAMU e aguardar orientações, e orientando para não mexer nas vítimas.
-Ainda vi mais dois casos, que esses me levaram a escrever este texto e chamar todos vocês para a reflexão. Um rapaz se deitou ao solo, também fingindo ser vítima do acidente, atraindo os olhares do público presente de forma cômica, e outro gravou um vídeo para redes sociais, comunicando que havia acontecido um tiroteio na cidade e havia três caídos ao solo.
Senti orgulho e medo das reações ali vistas em, no máximo, 15 minutos da cena gravada. Orgulho porque muitas pessoas afirmaram e curtiram a mensagem ali passada, concordando com o papo reto ali presenciado, o conceito firmado na verdade ali narrada. Era a esperança que me comovia na verdade, indo ao encontro do mundo real, na sua plenitude.
O medo foi da rapidez da desconstrução da verdade… em milésimos de segundos, da perversidade dos dias, do devaneio dos seres, da rapidez humana em busca da velocidade algorítmica, da falta de sentimento da dor do outro, em busca do flash da hora, mesmo que não me acrescente absolutamente em nada.
Nesse contexto, uma das maiores sabedorias a mim apresentada foi “As Três Peneiras de Sócrates”: “Um homem foi ao encontro de Sócrates, levando ao filósofo uma informação que julgava de seu interesse:- Quero contar-te uma coisa a respeito de um amigo teu!- Espera um momento – disse Sócrates – Antes de contar-me, quero saber se fizeste passar essa informação pelas três peneiras.- Três peneiras? Que queres dizer?- Vamos peneirar aquilo que quer me dizer. Devemos sempre usar as três peneiras. Se não as conheces, presta bem atenção. A primeira é a peneira da VERDADE. Tens certeza de que isso que queres dizer-me é verdade?- Bem, foi o que ouvi outros contarem. Não sei exatamente se é verdade.- A segunda peneira é a da BONDADE. Com certeza, deves ter passado a informação pela peneira da bondade. Ou não?Envergonhado, o homem respondeu:- Devo confessar que não.- A terceira peneira é a da UTILIDADE. Pensaste bem se é útil o que vieste falar a respeito do meu amigo?- Útil? Na verdade, não. Então, disse-lhe o sábio, se o que queres contar-me não é verdadeiro, nem bom, nem útil, então é melhor que o guardes apenas para ti.”
Se as pessoas utilizassem desses critérios, com certeza seriam mais felizes e demandariam seus esforços e talentos em atividades outras, antes de obedecer ao impulso de simplesmente passar informações de todo tipo adiante, pois: “Pessoas inteligentes falam sobre ideias; pessoas comuns falam sobre coisas; pessoas mesquinhas falam sobre pessoas”.
Sigo eu, no meu texto de um Dia de Domingo, cá ouvindo a música que diz: “Como esta noite findará, E o Sol, então, rebrilhará, Estou pensando em você, Onde estará o meu amor?”.
Ao meu norte, trilharei sempre meus caminhos, com as peneiras desenhadas na minha frente, para sempre ser mais a verdade, fortalecido na coragem e clareado na luz que me guiará, e saberei sempre onde estaremos eu e meu amor.
Dunga Jr
De um dia de domingo 24/09/23