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Blog do Vavá da Luz

OS OLHOS NO EXILIO (Damião Ramos Cavalcanti)

 

              Os olhos no exílio

           Embora seu nome Chico seja o mais popular, falado ou cantado, sempre o chamei por Barreto, não sei o porquê. E entre muitos “Barretos”, Chico Barreto, de sofrido exílio, como é o caso dos que, forçosamente, passam por essa experiência com “os olhos no exílio”, deixando o coração na pátria, na terra berço, nos rios e nas ruas da cidade onde nasceu e cresceu; lembrando-se das amizades e romanticamente dos seus amores , especialmente de Lucinha Maia Nóbrega, com quem casou por procuração. Ele lá, ela cá, livre, tagarela, vindo e voltando, a pé, de Jaguaribe, com a irmã Elizabeth, para os acontecimentos políticos e culturais, no nosso Centro Histórico.
          Conheci Barreto, com esse nome, na Juventude Estudantil Católica (JEC), cujos jovens, rapazes e moças, eram orientados por Padre Luís Gonzaga Fernandes (Reitor do Seminário e Bispo de Campina Grande), por Juarez Benício, Francisco Pereira Nóbrega e , especialmente, por Padre Marcos Augusto Trindade; promoviam reuniões e encontros de estudantes para vivenciarem, cristãmente, os fatos sociais, efeitos e causas, sob o lema “ver, julgar e agir”. Barreto, Aranha, Binha, Junior, Rubens e o também exilado Eduardo Batata eram mais jecistas do que cristãos… Daí, esses movimentos (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC) terem formado líderes, do campo à escola; do colégio à universidade; da indústria ao trabalho e do trabalho à independência, comprometendo-os até a alma com a visão cristã do bem comum e social, fazendo-os leitores das encíclicas progressistas sobre causas sociais. Era uma juventude que não conversava só banalidades, mas assuntos nacionais e internacionais de ordem socioeconômica, o que nos propiciava uma lúcida visão de mundo, o que se chama de weltanschauung, entre os teóricos da Sociologia Política.
          Isso motivava perseguição ideológica, nos flancos esquerdo e direito das escolas, das universidades, das fábricas, no dia a dia, das ruas, taxando esses chicos  de subversivos, entintando-os de vermelho, prendendo-os e até afastando-os da vida. Foi isso que levou também Barreto ao “os olhos no exílio” e a perder parte da vida no nosso país. Entre 1966 e 1970, morei em Roma, estudando Filosofia e outras coisas, na Pontificia Universitas Gregoriana. E , durante as férias, por necessidade financeira e para evitar o horrível calor do verão romano, passava três meses desse período, trabalhando como arbeitersstudent, na Alemanha. Fiz de tudo, exercitando humildade e simplicidade no trabalho que tinha aprendido nos onze anos de Seminário: No Cemitério de Krefeld; na Fábrica de Tecido de Krefeld Bei Hills; de calunga de caminhão em Erkelenz; na fábrica de caixas e estojos de Wassenberg e numa fazenda de Tittmoning, cuidando das vacas leiteiras. Sempre gostei de trabalhar.
          Depois de muito tempo, voltei para me despedir das amizades que cativei em Tittmoning, fronteira com Salzburg, dentre esses do Herr Metz, que tinha vivido na Bahia. Seu Castelo, de ponte levadiça, era cheio de móveis, bugigangas e ornamentações afrodescendentes, trazidos da cidade de Salvador, onde se refugiou, protegendo-se do nazismo de Hitler. Herr Metz tinha sido contemporâneo de Freud, com quem conversou e fumou charutos baianos e cubanos… Um homem notável. Foi quando me reencontrei com Barreto, magro, misturando português com alemão e francês e curando-se de problemas respiratórios, que contraíra em Paris, com tanta fome e frio. Meses depois, Herr Metz e Barreto foram meus hóspedes em Roma, de onde me levaram a Napoli para me embarcarem no navio do meu regresso. Trouxe suas encomendas à sua futura consorte Lucinha. E na casa de Cacilda, sua sogra, estive ao lado do Governador João Agripino, tio da noiva e testemunha do casamento por procuração, sem lua de mel: ele lá e ela aqui… Olhei amiúde, letra por letra, Os Olhos no Exílio, de Barreto, onde nos encontramos protagonistas desses “Fragmentos & Antimemórias”.  

Damião Ramos Cavalcanti