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O LEGADO CULTURAL DE CARLOS ARANHA

O testemunho da contemporaneidade e o resultado das pesquisas que tenho desenvolvido nos meus passeios pelas páginas dos jornais de 1968, me dão a autoridade para concluir que Carlos Aranha foi, sem a menor dúvida, o personagem mais presente nos movimentos culturais e artísticos daquele emblemático ano aqui na Paraíba. A sua intelectualidade polivalente fazia com que seu espírito revolucionário, tão marcante da época, ficasse registrado nas suas produções culturais, seja na escrita, com artigos publicados em jornais, sempre com uma aguçada visão crítica de tudo; seja no teatro, quando recebeu o prêmio de “melhor direção” no espetáculo “Diário de um louco”, encenado na Semana de Teatro da Paraíba; seja como cineasta, no curta metragem “A ciranda”, rodado em parceria com Cleodato Porto, com tomadas de cenas nas ruas de João Pessoa e Santa Rita, num estudo interessante dos tipos humanos das diversas classes sociais enfrentando as implicações dos contrastes com as estruturas ambientais; seja como músico (compositor e cantor) onde pontificou como um dos mais talentosos artistas daquela geração.

Carlos Aranha assumia uma posição de vanguarda na música paraibana. No festival de 1968 para defender sua participação se fez acompanhar de um conjunto com guitarras eletrônicas, Os Quatro Loucos, do qual faziam parte os irmãos Golinha e Floriano Miranda, além de Zé Ramalho. No ano seguinte protagonizou um espetáculo de irreverência própria dos que querem quebrar paradigmas, romper com o “lugar comum”, chocar os conservadores. Ao se apresentar no festival de 1969, cantou a música de sua autoria “Ivone, pelo telefone”, vestindo um bustiê roxo, uma calça de veludo verde, um colar de couro com o símbolo “hippie” e batom nos lábios. Esse comportamento, por si só, já define bem o estilo que personificava o autor da música que ganhou o segundo lugar no Festival de 1968.

Naquele festival inscreveu duas músicas: GIRAMULHER, em parceria com seu irmão Fernando, e CANÇÃO DO TER, com letra de José Neumane Pinto.

Antes de conhecer o resultado final dos vencedores do certame, na edição do jornal A União, do dia três de maio, Carlos Aranha fez comentários sobre sua música GIRA MULHER : “Um festival de música é atualmente realizado em João Pessoa, com grande repercussão. Uma composição minha e de Fernando, meu irmão, foi acompanhada por guitarras elétricas: Os Quatro Loucos. Festival à parte, uma explicação se faz urgente, no intuito de apagar certas dúvidas e algumas interpretações mal lançadas. “Giramulher” não é uma composição tropicalista, como alguém escreveu. Na verdade, fica dito: não existe música tropicalista, como não há cinema tropicalista, nem teatro tropicalista ou literatura tropicalista. O movimento- atenção – não propõe qualquer tipo de estética. Propõe mais adequadamente uma ética, um comportamento. O tropicalismo não é algo monstro que deseja acabar com o anterior patrimônio cultural brasileiro ou latino americano. Muito pelo contrário”.

Conhecido o resultado fez a seguinte observação: “Os sons modernos das guitarras elétricas não conseguiram atingir suficientemente as mentalidades filosóficas de alguns membros da comissão julgadora do certame. Isto não importa. Tanto eu, como meu irmão, realizamos uma composição atendendo as mais recentes exigências da música brasileira.
O público entendeu muito bem e “Giramulher” foi a composição melhor recebida num festival repleto de “disparadinhas” e “cartões postais mal redigidos”. Os preconceitos e tradições subdesenvolvidas precisam ser superados. Tanto a televisão, cinemas e as revistas em quadrinhos, além do rádio e os modernos meios de comunicação de massa, não são patrimônio dos Estados Unidos, da Europa, Rio de Janeiro ou São Paulo. O homem nordestino também está condicionado a tudo isto. A música para ser boa e comunicativa tem que utilizar recursos modernos, não somente em seus elementos básicos, como melodia e ritmo, mas igualmente com as pesquisas de sons e o empréstimo de elementos característicos a outras formas de arte. O resto é coisa menor, já que vivemos um presente em busca de um futuro”.

Eis a letra da música GIRAMULHER, classificada em segundo lugar no Festival Paraibano da MPB, de autoria dos irmãos Carlos e Fernando Aranha:

“Garota que gira/é moça de fato/é gente da moda. Se são quatro os soldados/se são nove os marinheiros/todos treze bem ligeiros/lá na praça amontoados. Se são vinte os rapazes/se são trinta os estudantes/para tantas radiantes/como cem serão capazes. Gira, girando mulher/girando, gira mulher/gira, girando mulher/girando, gira mulher.
Mil estrelas tem o céu/ondas do mar eu não conto/qualquer canto arredondo/muito embora viva ao léu/das cinqüenta pedras faço/um caminho para a amada/a maldade já desfaço/numa luta bem armada. Gira,girando mulher/girando,gira mulher….
Dez amores num sofrer/foram vistos acolá/mesmo embora sem chorar/nesta roda vou viver. Já a reza abandonei/foi pensando na certeza/de que um dia a nobreza/de um poder retirarei. Gira, girando mulher/girando, gira mulher…
Este cantar é batalha/admite a minha luta/mesmo que venha a permuta/pela morte que se espalha/mas encontro meu amor/sempre sinto seu viver/gira sempre o bem querer/no dizer de vida e dor. Gira, girando mulher/girando, gira muilher…
Garota que gira/menina que roda/é moça de fato/é gente de moda.
Gira, girando mulher”.

Carlos Aranha se foi, mas nos deixou um importante legado cultural.

Rui Leitão