Pular para o conteúdo

O BARÃO DE ARARUNA REAL E A FICÇÃO (RAMALHO LEITE)

O BARÃO DE ARARUNA REAL E A FICÇÃO

O Barão de Araruna não é só uma figura de ficção. A personalidade do personagem de Maria Dezonne Fernandes no seu romance de maior sucesso, “Sinhá Moça”, pouco se aproxima do verdadeiro Barão. Há, porém, algumas coincidências: a atividade política do Barão da literatura, do cinema e da televisão desenvolveu-se na cidade de Araras, topônimo que muito se aproxima de Araruna. A atividade econômica desenvolvida pelo trabalho escravo, a serviço do nobre da novela, era o café, mesmo ramo de negócio do verdadeiro Barão. O violento Barão da ficção, useiro e vezeiro no uso do tronco como forma de se fazer respeitar na senzala, em nada se aproxima do verdadeiro Barão, este, “a um caráter estóico aliava a grandeza de sua alma e a bondade de um coração sempre voltado para o bem”, na definição de José Ferreira Novais, citado por Maurílio Almeida, o principal biógrafo do seu trisavô, o Barão de Araruna.
O Barão da novela de Bendito Ruy Barbosa, sucesso em 1986, repetido em 2006, teve sua vida retratada entre 1840 e 1850 e durou pouco mais de sete meses na convivência dos lares brasileiros que apreciam a telinha. O verdadeiro Barão, chamava-se Estevão José da Rocha e seu “mandato” de Barão durou apenas três anos. Foi ungido pela Princesa Isabel em 1871 e faleceu em 1874, em Bananeiras, onde ocupou quase todo o território plantando café da melhor qualidade. Nasceu na Casa Grande da Fazenda Serra Branca, no então Distrito de Pedra Lavrada, hoje município desmembrado de Cuité. O Barão é “sangue dos Arruda Câmara do Piancó e Ferreira de Macedo, de Picuí” relata Câmara Cascudo. Por razoes desconhecidas, Estevão José da Rocha recebeu esse nome, excluindo sua descendência paterna. Deveria chamar-se Estevão José Ferreira de Macedo. O Barão da ficção é chamado de Coronel José Ferreira. É muita coincidência para ser só coincidência.
O Barão de Araruna nunca aceitou posições de mando que o mantivessem longe da sua querida Bananeiras. Residia na propriedade de nome Jardim, onde plantava café e tinha engenho de açúcar. Por pouco tempo foi Comissário da Instrução Pública da Vila de Bananeiras, sendo atendido na sua exoneração pelo Presidente Beaurepaire Rohan. Por insistência do governo da Província, foi ainda Juiz dos Órfãos e Chefe da Mesa de Rendas. Coronel da Guarda Nacional, Estevão substituiu o Juiz de Direito durante a Revolução Praieira que irrompeu em 1848 em Pernambuco com ramificações na Paraíba.
Diferentemente do barão imaginário, sanguinário na perseguição aos seus escravos, Estevão José da Rocha ao falecer contava apenas com treze deles a seu serviço. Já vigorava a Lei do Ventre Livre que considerava libertos os nascidos a partir da data daquela lei. Muitos já haviam recebido do Barão, a Carta de Alforria, a exemplo da escrava Bernarda, retratada por Maurílio Almeida com 53 anos. Já enfermo, o Barão não pode assinar o documento, o que foi feito pelo seu genro e testemunhado pelo filho Felinto Rocha, mais tarde Conselheiro da Ordem da Rosa também uma concessão da Princesa Isabel, e pelo vigário da Paróquia.
O acervo de Maurílio Almeida ( O Barão de Araruna e sua Prole) guarda a Carta Imperial que deu o titulo de Barão a Estevão José da Rocha: “ A Princesa Imperial Regente, em nome do Imperador o Sr. D. Pedro II, faz saber aos que esta Carta virem que, atendendo aos relevantes serviços que tem prestado Estevão José da Rocha, da Província da Paraíba do Norte, querendo distingui-lo e honrá-lo, há por bem fazer-se mercê do Titulo de Barão de Araruna e com o referido titulo goze de todas as honras, privilégios e isenções, liberdade e franquezas que hão e tem e de que se usou e sempre usaram os Barões, e que de direito lhe pertencerem. O por firmeza de tudo que dito é, lhe mandou dar esta Carta, por ela assinada e selada com selo das Armas Imperiais. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 3 de junho de 1871, quinquagésimo da Independência e do Império. Princesa Isabel Regente e João Alfredo de Oliveira Correia”. Como se vê, o Barão de Araruna existiu. (Continua no próximo capítulo, digo, coluna)