O Amarelinho
Quando estava estudando para o vestibular, um livro foi muito importante na trajetória, me refiro a nona edição do ‘História da Paraíba: lutas e resistência’ do historiador e escritor José Octávio de Arruda Mello. Ainda mais que, naqueles tempos, o exame continha uma série de questões específicas em História de nosso estado, o que chegava a diferenciar os estudantes daqui dos de fora, dificultando a vida dos “forasteiros”. A saber que em dia de prova, Campina Grande era invadida por muitos ônibus de vários estados. O livro tem um aspecto sóbrio, contendo uma imagem de pessoas na rua em preto contrastando com o fundo amarelo claro onde o título da obra e o autor, em preto, tem destaque modesto. Editado em 2002 pela A União, este livro me acompanha até hoje e foi testemunha de muitas emoções.
Já nos bancos da academia, fui convidado para colaborar em um cursinho pré-vestibular, o Pré-Vest, coordenado pelo amigo Professor Claudionor Farias. Foi ali a minha primeira experiência em sala de aula, foi o dia em que encarei uma turma com sessenta alunos. Após a habitual saudação, fui apagar o quadro para me apresentar e dar início a aula. É quando uma aluna bem mais experiente que eu gritou lá de trás: – Oxente, cadê o professor? Para a risada geral da turma. Faltando meses para completar meus vinte anos, terminei de apagar o quadro (de uma aula de física!) me benzendo com aquele pó de giz para me abençoar e trazer a segurança que a situação carecia. Quem me acompanhava naquela segunda-feira de maio de 2004? O livro amarelinho ‘História da Paraíba’.
Pouco mais de dois anos depois, posso dizer que já estava maduro no curso. Havia palmilhado parte da Paraíba em pesquisas arqueológicas, históricas e antropológicas, bagagem que me fez realizar um sonho: conhecer o autor daquele livro tão importante em minha trajetória. E numa segunda-feira (18 de setembro de 2006) o Historiador de ofício chega no final da manhã a Campina Grande. O encontro foi pré-agendado para acontecer na Biblioteca Municipal às onze horas. Eu lá estava desde as dez, tamanha a ansiedade.
Da calçada do prédio da biblioteca, o Anézio Leão, justamente na esquina mais movimentada da cidade, eu observava aquele pulsante movimento da urbe. O bailar incessante dos veículos regidos pelos semáforos, os pacotes e sacolas levados por gente que tinha pressa. A comercial rua Maciel Pinheiro e suas inúmeras lojas em ritmo frenético, e meu coração batendo ainda mais forte, mas a mente em silêncio alimentava a ânsia do encontro, um embrulho nauseante no estômago e resolvo circular pelo prédio buscando algo que me acalmasse, talvez uma leitura. Lembrei da emoção que foi no sábado anterior conhecer Carlos Azevedo e José Elias Borges, quanto conhecimento! Fui ao terceiro andar e me perdi nos corredores de estantes. Observei os visitantes e nenhum possuía as tais características. Os minutos se passavam, já eram 11h20 e confesso que uma pequena frustração começava a crescer. Desci e li mais uma vez todos os avisos cravados no quadro, até que ouço uma voz grossa e espaçada: – Bom dia, olhe, olhe, isso aqui é doação para a biblioteca! A funcionária indica para onde se dirigir. Vejo aquele homem vivido, alto, cabelos grisalhos, bem vestido. Nas mãos, uma bolsa e vários livros. Admito que o coração bateu forte, pensei por diversas vezes como agiria diante daquele respeitado historiador tão importante para a Paraíba, autor de vários livros. Vou ao seu encontro. Sem dúvida alguma de quem se tratava, me apresentei. Para quem lê, é uma situação desconcertante conhecer o autor da obra, um misto de sentimentos.
Dali fomos à direção da biblioteca onde o Historiador fez doação de vários livros. Em seguida, fomos a uma salinha reservada no segundo andar para melhor conversar. Gravador ligado, agenda e caneta em mãos, inicia-se o diálogo.
Ao estar ali conversando com Zé Octávio, sentia-me um privilegiado. Passei a admirá-lo como um jovem estudante de história, como um filho que escuta as sábias orientações de um pai o encaminhando para a vida. Observava a serenidade de suas palavras, de seus gestos, as marcas do tempo estampadas em sua face. Indescritível era a sensação que eu estava ali sentindo. Foi pouco mais de uma hora de diálogo, onde o experiente pesquisador recebeu de presente um exemplar da revista Parahyba do Norte e retribuiu com um trabalho de sua autoria sobre arqueologia histórica em Rio Tinto e seu mais novo artigo na revista Fabulação. E quem estava ali comigo? O amarelinho, o exemplar do seu ‘História da Paraíba’ que me acompanhara desde o vestibular. Ao tempo em que ele rabiscava o oferecimento, eu comentava sobre meu primeiro dia de aula. Ele riu e afirmou: Você é esperto, você vai longe!
Trocamos endereços e telefones. Esse encontro nunca saiu de minha mente e aquelas palavras do mestre me motivou a querer o saber sempre mais.