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Nada melhor: bredo e feijão de coco (Damião Ramos Cavalcanti)

          Sempre foi assim, até a meninada sabia: na Sexta-feira Santa, era Dia de Jejum, com receitas para se comer bem. Peixe ou bacalhau à vontade, barato, que se vendia em seu Adelino, despachado por Dona Lita, ou no armazém de seu Raimundo, escolhidos numas barricas de madeira, acinturadas com aspas de aço. Dizia-se em Pilar que essa iguaria vinha de Portugal, com tal peixe da Noruega. Havia bacalhau “para se dar e comer”, até como esmola, a quem gritasse “oi de casa, o jejum por amor de Deus!”, e ao pedinte se entregava 1 kg ou 2  de bacalhau, quando se escutava: “Deus lhe pague!”.
          O bredo, mais fácil, achava-se no sítio ou no fundo do quintal, planta rasteira, verde como coentro, ao alcance de quem quisesse colhê-lo. A palavra é de origem grega: blíton; os romanos latinizaram para blitum e os portugueses chamam-no de bredo. Como se vê, ele é originário da Europa e o espinafre, da Ásia; mas o bredo, sendo de tão longe, é mato da minha infância, prato da minha mesa, no meu tempo de menino. Decepciona-me o nordestino que não sabe o que é bredo; pior é, ao saber, não comê-lo. Aprendi isso, na saudosa Pilar, onde nasci e havia tais comidas, indispensáveis ao jejum da Semana Santa, como bacalhau, peixe d’água doce, na Sexta Feira, com o tradicional feijão de coco e o bredo. Depois de se colher o bredo, atrás da minha casa, destacavam-se suas folhas e após lavá-las, minha mãe as escaldava para retirar delas o visgo. Em seguida, ela escorria a água e reservava as folhas para fazer o molho, que se iniciava refogando-se, no azeite, cebola fatiada, alho amassado e três tomates maduros; depois, duas xícaras de leite de coco, sal e pimenta a gosto. Por fim, colocava-se o bredo e uma porção de coentro picado, levando tudo ao fogo brando, por uns dez minutos. Estava feita a deliciosa receita de bredo.
           O bredo, primo pobre do espinafre, é também da família das amarantáceas e encontrado em muitos estados brasileiros como uma planta subespontânea, colhido até em construções velhas, às margens das estradas ou nos pátios das fazendas. Mas deveria ser plantado, nas quatro estações do ano, como qualquer hortaliça. No entanto, o espinafre foi sempre cultivado nos USA e assunto de quadrinhos e filmes, em que Popeye abria uma lata de espinafre e o ingeria para se tornar, de repente, um “supermarinheiro” contra o marujo Brutus e em defesa da namorada Olivia Palito. Por tais publicidades, conhecíamos o espinafre sem tê-lo à mesa. Quanto ao bredo, falava-se dele, apenas durante a Semana Santa, mesmo sendo muito mais delicioso e nutritivo do que o espinafre.
          As folhas de bredo são riquíssimas em cálcio, fósforo e ferro e possuem elevado teor de vitamina A, além de apreciável quantidade das vitaminas C e B. Cem gramas de bredo nos fornecem 42 saudáveis calorias. Das comidas da Semana Santa, o peixe e o bacalhau se preservam, durante o ano, nos cardápios de requintados restaurantes.  Por que, nesses restaurantes, achamos espinafre e nunca bredo e feijão aomolho de coco? Iso é comida da nossa cultura.

          
 

Damião Ramos Cavalcanti

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