Desde muito tempo deixei de frequentar bares. Razões não faltam; da possibilidade de confusões que degenerem em algo trágico até o prosaico fato de que alguém que não está ingerindo bebidas alcoólicas jamais consegue conversar com um bêbado. Elegi a padaria Bonfim para conversar, ouvir histórias e principalmente rir. Vou lá diariamente e convivo com grupos bem diferentes, que cobrem todo o tecido social da cidade. Tem de tudo; empresários, servidores públicos, um milionário e muitos falsos milionários, mentirosos (os que mais me fascinam), um doido e de vez em quando um ou outro intelectual. Na maior parte do tempo a conversa é puro entretenimento pelos debates políticos, futebolísticos e religiosos (tudo sobre o que não se deveria discutir) travados em altos brados e com os argumentos mais escalafobéticos possíveis. Porém às vezes a coisa engrena.
O Dr. M. A., que tem uma bagagem técnica do maior respeito, estava dizendo da inviabilidade dos pequenos municípios brasileiros continuarem a existir. São organismos que só sobrevivem em consequência dos repasses mensais do F.P.M. e de outras verbas quase sempre mal aplicadas e às vezes até surrupiadas. Esses municípios não tem atividade econômica para gerar impostos suficientes a pagar mensalmente seus vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários e uma maquina administrativa inflada pelo apadrinhamento político que sempre existe. Na verdade, explicava ele, muito melhor andariam as populações dessas localidades se abrissem mão da autonomia politica e voltassem a pertencer a um município maior porque parte da grana que hoje financia esse desperdício de salários com a administração e a representação política seria direcionada para o povo pobre que ali reside. A ideia foi tão bem apresentada que todos ao redor da mesa concordaram, coisa rara naquele ambiente hilariantemente belicoso. Até o filosofo Índio do gelo seguiu a ideia: “-É isso mesmo, Doutor, matuto pobre orgulhoso é pior do que sarna”.
O Dr. M. A. sentiu que estava pisando em terreno firme para expor suas excelentes ideias sobre uma ampla reforma administrativa e avançou: “- Acho também que muitos órgãos públicos não tem mais necessidade de existir. Por exemplo, o que é não se pode fazer pela internet que justifique a existência dos Detrans?”
O senhor F. levantou-se imediatamente e de dedo em riste começou uma ladainha violenta. Quase enfartou. Retirou-se da mesa, onde por instantes reinou silencio completo. Novamente ouviu-se o Índio: “-Doutor, no dos outros é refresco. Esse cara é funcionário de lá”.
E assim segue a máquina administrativa.