Linduarte Noronha, seu cachimbo, sua genialidade
Ao se comemorar seus 90 anos, tudo me perguntei sobre Linduarte Noronha e não sei quando começou a fumar cachimbo. Talvez ao ver Fellini cachimbando, ao rodar algum filme. Linduarte era um homem de genialidades, bem nossas, mas influenciadas por geniais diretores de cinema. Ainda muito jovem, nos anos 60, estava sempre nas primeiras cadeiras para ouvir Wills Leal ou palestras, de Linduarte Noronha, junto a cineclubistas pessoenses. Tinha ele uma visão diferenciada, parecia comentar o filme que não tínhamos visto, compreendendo pormenores da linguagem cinematográfica. Seus comentários centravam praça, onde se exibissem os recém-chegados “filmes de arte”, que geralmente eram projetados no Cine Municipal, mas, às vezes, no Cine Plaza , e até mesmo no Cine Rex. Ou, num lençol branco, pregado na parede de algum lugar “intelectualizado”. Por que “filme de arte”? Não havia mistura, os amantes desses filmes odiavam “pornochanchada”, e o público dessa categoria de película não entrava em cinema para ver filme complicado, como o gênero do sueco Ingmar Bergman. Contudo, nada complicado depois de escutarmos o mestre Linduarte Noronha, incensando-nos com suas cachimbadas.
Linduarte fez história, não só no mundo da sétima arte, mas muito também no jornalismo, pelas rádios e jornais, que ampliavam suas falas sobre cinema. Era tido, nas rodas de conversa, como “bom papo”, com sua maneira peculiar de dizer coisas, pessoas e fatos. Foi desse espírito perspicaz que, compadecendo-se do nosso desprezado patrimônio histórico, viajou com Wills Leal para aprender, em Salvador, como preservar a nossa memória . Dessa dadivosa viagem, fundou-se o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico, onde tenho a honra de posar ao lado de Linduarte, seu primeiro dirigente, na Galeria dos ex-Presidentes do IPHAEP, organizada por mim. Original, solicitava recursos para tal Instituto consertar as goteiras, dando expediente, debaixo de um guarda-chuva, ao folhear tomos e jornais e ao pitar seu indispensável cachimbo. Assim administrou o IPHAEP, durante 18 anos. Quem ali substituir Linduarte? Muito tempo depois, quando o convidei para se inaugurarem as reformas que realizei naquela casa, ele discursou saudades do casarão, onde morou o folclorista José Rodrigues de Carvalho, talhando suas iniciais JRC na porta de entrada. Então desfiou Linduarte sentimentos com olhos lacrimejados : “Revivencio o passado, esta casa parece ter nova vida, amo este IPHAEP”.
Nos meus périplos sobre “educação à distância”, pelas estradas sertanejas, encontrei Linduarte e seu cachimbo, em Pombal, sentado numa cadeira de pano, como aquela de Fellini, rodando seu longa-metragem “O Salário da Morte”. Mais calado do que dando ordens, não escondia sua simplicidade, que eu tinha já compreendido, quando me encontrei com ele, em Roma, na Praça de São Pedro, comparando-a com a de Aparecida ou com a de Juazeiro do Padim Cícero: “Todas as cidades são iguais”. Daí entendi que preferia conversar num bar ou numa trattoria romana a perambular pelos inúmeros becos e ruas do trastevere. Consegui levá-lo à Cinecittà e a visitar organizados cines clubes em Roma, onde descobrimos recortes de jornais sobre Linduarte e os seus filmes. Emocionou-se. Recortes de jornais brasileiros e paraibanos lhe atribuíam o início do “cinema novo” no Brasil. Estávamos com o Maestro Visani, seu anfitrião, que tendo de viajar com a Orquestra de Roma a Nova York, entregou-me seu hóspede para ele ficar comigo; foi quase um mês, no Pio Brasileiro, de rica convivência. Internou-se, raramente saía, repetindo “todas as cidades são iguais”… Entendia eu que o “cinema novo italiano” teve como motivação os suplícios do após guerra; a inspiração de Aruanda não foi outra, Linduarte Noronha sentiu o insight de documentar, num afastado quilombo sertanejo, outra guerra, aquela entre a pouca água e a seca; a do trabalho com a argila para se venderem, na distante feira da cidade, estatuetas, jarras de barro e panelas.