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Blog do Vavá da Luz

   Liberdade de dizer o absurdo (   Damião Ramos Cavalcanti )

        Liberdade de dizer o absurdo

          Medir o uso da liberdade parece tentar lhe impor limites em relação à nossa ação, na nossa consciência ética, e quanto isso vem sendo necessário atualmente! Porém, quanto à utilização ou não do absurdo, recomenda-se sua explicação no sentido de que o absurdo, caso afirmado, seja aceitável. Nesse sentido, é bom situá-lo e defini-lo,conforme as categorias do conhecimento: religioso-dogmático, filosófico, científico e da poésis. No dogmático, inexiste liberdade, o adepto deve ser fiel ao dogma ou à doutrina religiosa que escolhe e na qual acredita, enfim, é uma questão de fé, muitas vezes, não se tolerando até que ela seja discutível. Quanto à Filosofia, o uso da liberdade começa a ser auferido, penetra-se já no campo racional ou teórico. Tratando-se precisamente da Ciência, a liberdade, nesse aspecto, tem menos espaço, ela sofre severo limite: o aceitável é aquilo que é provado no campo experimental. Se são hipóteses científicas, então essas devem passar por rigorosos testes a serem corroboradas. Somente no campo da poésis, a liberdade é sem limites, suas afirmações ou suas negações, manifestadas na arte, gozam de liberdade de exprimirem o que pretendem, até às raias do absurdo. Prova disso é que esse absurdo é aceitável e até admirado. Ad exemplum, cito, na pintura ou na escultura, as disformes figuras mitológicas de corpo de homem com cabeça de touro (Minotauro); um dragão com dezenas cabeças de serpente (Hidra de Lerna). Enfim, como submeter isso à comprovação, onde encontrar tais disparidades na realidade? Quanto à ciência, se for hipótese, logo é rejeitada porque é incompatível com outras já existentes sobre tal assunto e também sobretudo por ser impossível a sua comprovação. Porém, em se tratando da poésis, tudo que for absurdo é aceitável e até caríssimo, como o são as pinturas desses monstros nos museus ou em ricas galerias ou pinacotecas, sobretudo nas lojas de artigos de arte. Em comparação, um livro científico, dizendo ser realidade essas ficções imaginárias, anteriormente citadas, seria considerado sem valor e jogado ao lixo.

          Qualquer famoso historiador, que mentir, terá sua “ciência” considerada ao tom de galhofa e de jocosidade. Por exemplo, dizer que Jesus Cristo nasceu no Brasil seria  isso de natureza histórica, e, de pronto, em relação ao tempo e ao espaço ou à realidade, inaceitável como dado histórico. A exemplo: “Jesus nasceu em Belém, / Conseguiu sair dali, / Passou por Tamataí, / Por Guarabira também. / Nessa viage de trem / Foi pará no Entroncamento. / Não encontrando aposento / Dormiu na casa do Cabo. / Comeu cuscus com quiabo, / Diz o Novo Testamento”. Mas, como isso é estrofe da poesia teria, é apreciada sem contestação, aceitação, por não se tratar de História, mas sim, de um objeto da poésis. É o que não se aplica ao absurdo usado na poésis, que chega aos limites do nonsense.
         Se tentarmos adequar tais discursos à realidade, só encontramos o absurdo e críticas inadequações aos fatos, completamente desprezíveis de valor histórico. Mas, em Orlando Tejo, verifica-se que Zé Limeira era independente ou livre dessas exigências, porque ao usar a poésis, como Literatura de Cordel, ele gozou de “absoluta liberdade” para rimar o que bem lhe viesse à cabeça, e até para facilitar aqueles momentos do improviso. Assim, seu exagero deixou de ser até uma agressão à realidade histórica para ser objeto de agradável e irrefutável leitura. É essa a diferença entre o que é dito com objetividade histórica e a arte que é obra da poésis. Na História, sem liberdade para tanto, o historiador deve ser objetivo e fiel aos fatos, onde, conceitualmente, o absurdo se tornaria inverdade ou mentira. Ao contrário, nesse contexto, a poésis dá ao poeta, no caso a Zé Limeira, toda a liberdade, a qual se estendeu também a Orlando Tejo para escrever, editar e vender tão cobiçado livro: Zé Limeira, Poeta do Absurdo.

 

Damião Ramos Cavalcanti