EM SETEMBRO de 2018 ficamos sem a nossa querida Lia Mônica Rossi, professora e pesquisadora argentina que foi muito importante para o reconhecimento do patrimônio histórico de Campina Grande e para sua preservação.
Na década de 1990 Campina vivia em um paroxismo de crise do reconhecimento de seu patrimônio histórico. Estudos se desenvolviam nos cursos de História da UEPB e UFPB (hoje UFCG) sobre o “bota a baixo” do Prefeito Vergniaud Wanderley em meados da década de 1930 e 40 e a inteira modificação da área central da cidade, um significativo reordenamento espacial que se configura como a primeira experiência de reforma urbana de Campina Grande e em consequência a construção de novos prédios e alinhamentos de ruas. O estilo arquitetônico existente e que lembrava o passado (colonial, neoclássico, art noveau, eclético, etc.) deu lugar a vertente decorativa do modernismo, o Art Déco, inaugurando “novos tempos”. Assim, a nova cidade urbanizada tinha essa cara da modernidade, vivendo seu apogeu com o ‘Ouro-Branco’ e ciclos econômicos que se seguiram. Décadas adiante trouxeram os arranha-céus e uma outra lógica de ocupação de solo, ocasionando numa perene modificação do patrimônio existente. Como bem afirmou Pietro Bardi, “o passado recente é o mais difícil de preservar; não é suficientemente velho para ser valorizado nem suficientemente novo para ser mantido”, daí a crise de identidade d’um lugarejo que com mais de três séculos de história não entendia sua historicidade, é aí que Lia entra.
Pareço escutar sua voz: “Thomas, quando comecei a andar pelo Nordeste, o geometrismo de muitos de seus prédios me encantou. Estive em Caruaru em 1972 e em 79, me impressionei com o que vi em Campina Grande. Lindo ver os relevos das fachadas com verdadeiros jogos geométricos, uma criatividade genuína e regional, as cidades que circundam Campina vemos isso ainda mais forte, alheia aos ditames arquitetônicos. São radiais, paralelos, leques, escalonados e um sem número de combinações que frutificavam nas mentes dos mestres de obra, notável! Influência deixada nas construções de 1930 e 40 do Art Déco francês. O que era aquilo? Casas engravatadas, listradas, abotoadas? Estudando a arquitetura, já na década de 1980, o geometrismo nas platibandas de prédios de Campina me lembraram Miami. Comecei a comparar e em 1984 apresentamos na SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) o tema Art Déco Sertanejo”, foi aí que Lia se notabilizou. Ela enxergou valor e deu sentido ao patrimônio histórico existente na cidade que não reconhecia o seu valor.
Art Déco Sertanejo é típico do Nordeste do Brasil, notadamente de seu interior, é um Déco sem aço, sem bronze, sem arranha-céus; esse foi o conceito dado por Lia ao estilo arquitetônico em Campina Grande, pois a inspiração geométrica, espírito de jogo de retas e curvas é o mesmo do resto do mundo com um toque de primitivismo. Daí em 1999, após um longo diálogo, a Prefeitura de Campina assume a implantação do Programa Campina Déco, requalificando uma área de 17 hectares no centro da cidade composto de 150 prédios. Fiações foram embutidas, a calçada ganhou um padrão geométrico lembrando o São João e o mais importante: os prédios foram pintados, preservados e hoje fazem parte da delimitação do Centro Histórico da cidade n’um núcleo em Art Déco que é o segundo no mundo em termos de conjunto, só comparado ao de Miami.
Designer, Engenheira de Produção, arquiteta, atriz, artista, professora… Uma figura linda, apaixonada pelo que acreditava. Tive o prazer em recebê-la em Campina para discutir um projeto que desenvolvia com o seu inseparável companheiro Marconi Souza e meses depois recebi via correios o Guia bilíngue Nº 1 “Sertanejo Déco: in Paraiba’s zone” com um generoso agradecimento pela colaboração. O guia traz a espontaneidade arquitetônica Déco do Ingá, Riachão do Bacamarte e do distrito (de Ingá) de Chã dos Pereiras, observando os detalhes e também o geometrismo mantido pela cobertura em cerâmica ou azulejaria.
O nosso último contato foi por uma rede social, eu pedia que ela enviasse mais exemplares do Guia para amigos e bibliotecas e ela prontamente respondeu: “vou mandar mais sim. Ótimo que vocês gostaram, vocês ajudaram muito. Bjos”. Aqui fica nossa homenagem a essa Professora tão importante para a História de Campina. A cidade lhe deve uma homenagem!
colunista : Thomas Bruno Oliveira