“Há mais coisas no céu e na terra do que pode imaginar [toda a Igreja].”
— adaptando Shakespeare, Hirschman, Krugman… e Piva, na Folha.
Papai, como tantos de sua geração, recitava com gosto o poema da chave da casa do ‘Cumpadre Birimbelo’. Era um jogo mnemônico, uma poesia disfarçada de trava-língua, um enigma narrativo para aguçar o gênio da infância sertaneja. Talvez fosse apenas brincadeira, talvez fosse já teologia: a chave não era só para abrir a porta, mas para aprender a ordem das coisas.
Pois é isso: o futuro não se inventa sozinho — ele precisa da chave certa. E ainda que a diversidade humana se explique em subjetividades, há uma lógica misteriosa, objetiva e cósmica, que toca a todos. É nesse entrelaço de liberdade e ordem que habita Deus.
Se eu fosse o porteiro da Capela Sistina, nestes dias de conclave — às chaves — eu colaria um bilhete à porta, como aviso e oração:
“Deixa aqui, comigo, todas as expectativas, vinganças, desejos, esperanças e o ego”
(parodiando Dante, à entrada do Inferno)
“Porque dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele, a glória para sempre. Amém”
(Paulo aos Romanos 11:36 — e Lincoln fechou com ela o conceito de democracia).
E antes que subam ao escrutínio, lembraria a oração feita no livro de Atos, capítulo 1, versículos 24 a 26, quando Matias foi escolhido para ocupar o lugar de Judas, que havia traído o Mestre:
“Senhor, tu conheces o coração de todos. Mostra-nos qual destes escolheste para assumir este ministério apostólico…”
Todo conclave é único. Gregório X, eleito no mais longo da história (1268–1271), criou regras que vigoram, com mudanças, até hoje. Às vezes, escolhem-se papas idosos, para transições curtas, mas eles vivem longos e transformadores pontificados. Outras vezes, um nome improvável e, em curto tempo, transforma a Igreja para sempre.
Mas não se pode esquecer: a religião é o governo da fé, pela e para a fé.
E a Capela Sistina, por mais adornada que seja, em seu teto único, só abre sua porta à verdadeira chave: a fé.
Terminado o conclave — e se o escolhido for um José, como eu espero e rezo — contarei uma história para aliviar a solenidade com a poesia do povo.
Era 1958. O Camerlengo acabara de anunciar que o cardeal Angelo Roncalli fora eleito Papa. Assumiu o nome de João XXIII, sucedendo Pio XII. O Brasil celebrava a Copa do Mundo, a Bossa Nova, Cannes, Brasília em obras… Mas a inflação já rondava as feiras.
Na calçada do Savanah, indo ao Abrigo Central, na Praça do Ferreira, o poeta cearense Teixeirinha ouviu a queixa do também poeta Nonato Freitas sobre o aumento dos preços. Sem perder a métrica nem o humor, respondeu:
“Subiu tudo de uma vez.
Coisa que nunca se viu.
Até o Papa subiu
de 12 pra 23.”
Eis a chave: entre o céu e a terra, às vezes, só a poesia abre o coração da eternidade.