FESTA DAS NEVES
RAMALHO LEITE
O prefeito Damásio Franca havia transferido a Festa das Neves para o Parque Solon de Lucena, e os festejos se estenderam ao redor do lago. Sentados em uma mesa de um barraqueiro pernambucano, eu e o prefeito Dorgival Terceiro Neto comentávamos a chuva do dia anterior que impediu a população de usufruir dos folguedos. A Lagoa transbordara, e quase cobriu a roda-gigante. Exageros à parte, ali combinamos que no ano seguinte a festa voltaria ao seu antigo leito, a General Osório e cercanias.
Dito e feito. Munido da agilidade e eficiência do multifacetário jornalista Barbosa Silva, o Barbosinha, cuidamos do planejamento em planta baixa de todo o perímetro do evento, de modo a evitar que qualquer dos trechos ocupados impedisse o fluxo normal de veículos. Claro que há trinta anos o número de automóveis era menor. Os transtornos foram compensados pela realização de uma festa profana que não interrompeu a parte religiosa e pretendeu devolver à cidade os áureos tempos da festa da sua padroeira.
Com a ajuda de d. Zelia Henriques, convocamos a Rede Feminina de Combate ao Câncer, a quem entregamos a administração e os recursos auferidos no pavilhão principal, servido por garçonetes escolhidas entre moçoilas (ainda existe esse termo?) da nossa sociedade. Barbosinha tinha o prazer de, carinhosamente, deixá-las em casa, pela madrugada.
Na via central da antiga Rua Nova, nas proximidades da Catedral, ficava apenas o Pavilhão e o passeio público renovado nas largas calçadas na avenida. Um palco para apresentações artísticas foi erguido e os shows eram a grande atração.A cantora Claudia Barroso,um dos nomes que me lembro, levantou o público com suas canções românticas, sem esquecer Waldick Soriano que também deu o ar de sua graça por estas bandas. A bagaceira descia pelo beco do Colégio das Neves em direção à Ladeira de São Francisco. Tudo para parecer como antes.
Depois que a festa saiu da General Osório por imposição da Igreja, desejosa de manter longe da nave das Neves os eflúvios do pecado porventura surgidos nos festejos profanos, a realização do evento na área contígua do final da Visconde de Pelotas com a Praça do Bispo, já invadindo Tambiá, perdeu o sentido. A festa existe em função da Igreja, longe dela, pode ser em qualquer local. Até na Praça da Independência, onde cabem todos os parques- de- diversão e não incomodaria o transito.Se já está longe da Catedral, qualquer lugar serve, e a Padroeira seria festejada sem a contaminação do álcool e da gula exacerbada pelos cachorros –quentes, os churrasquinhos de gato, a maçã do amor ou o algodão japonês.
Diferente do passado, lá no começo do século vinte, quando o bispo Dom Adauto teve que interferir na polêmica entre o jornalista Artur Aquiles, do jornal O Comercio e a Igreja, representada pelo jornal A Imprensa, que tomava as dores do vigário da Catedral. Este queria os lucros da festa para reformar a igreja, e o jornalista, contestador por natureza, estranhava que o dinheiro vindo de uma festa profana pudesse servir a essa finalidade. Agora, nem mais o Bispo quer a festa profana por perto da sua igreja.( A festa voltou ao Parque Solon de Lucena que alguns teimam em denominar Parque da Lagoa, sob meus protestos).