As crônicas também são escritas, antes dos acontecimentos, como se fossem notícias do que haverá de vir. Mas, esta se caracteriza como relato do que recentemente aconteceu nas terras paraibanas, congregando, nacionalmente, coisas e gente do cinema. Gente cinéfila, cineastas, críticos da dita arte, estudiosos do assunto, produtores e, “sem censura”, o público em geral. Um festival como o Fest Aruanda alimenta a tradição que preserva a Paraíba de ser, por excelência, berço dos que nascem para o cinema.
Nos anos 60, floresceu muito, na cidade de João Pessoa, uma juventude intelectualizada, que se dedicava, com vaidade, à literatura, à poesia, à música, como o grupo Jaguaribe Carne e jornalistas dedicados à crônica sobre a sétima arte .Ou aos cursos sobre cinema com frequência religiosa a diversos cineclubes, que disputavam em ser o melhor acompanhante na grande produção de filmes, considerados de arte. O esteio desses debates era o “Filme de Arte”, no Cine Municipal, todas as quintas-feiras, também chamadas de “Filme de Arte”.
Naqueles recentes tempos, a França, os Estados Unidos e a Itália, e aqui e acolá, a Suécia de Bergman, projetavam-se como os maiores produtores dos então “filmes de arte”, que por aqui chegavam. Também, nesses países, destacavam-se, fazendo escola, o maior número de precursores, desse gênero de películas. Entre nós, criou-se a característica: Quanto mais complexa fosse a interpretação do enredo e do seu filme, mais se pronunciava aquela juventude como se fosse um filme de arte. Poderiam nada entender, porque o filme era de arte…
Para os mais maduros, tal arte consistia mais no roteiro; na linguagem cinematográfica que nos passava o enredo. Na verdade, o filme divide com a pintura e a fotografia, os mais eloquentes meios de expressão, sobrepondo-se o cinema por causa da sonorização da sua linguagem fílmica. Nesse universo, havia os “críticos de cinema”, geralmente jornalistas ou professores universitários, como Dom Fragoso e Rafael de Menezes, autor dos primeiros livros paraibanos sobre cinema. Ou Wills Leal, Jurandir Moura e o célebre Antonio Barreto, pena leve e competente que tornava o filme “difícil” fácil de se compreender.
Existiam críticos severos e rigorosos que, presunçosamente, não recebiam como “filme de arte” até a obra, de grande público, como Alphaville, de Jean-Luc Godard (1965), em razão de um simples detalhe. Era eu adolescente, mas já falante e da corrente para avaliar como “filme de arte” aquele que gozava, sob ponto de vista mais aberto, de uma obra autônoma, criativa; sem cortina, isto é, com unidade e que tivesse uma estrutura logicamente narrativa; com referências socioculturais dos costumes e do quotidiano; e que entendesse, mesmo se fosse como o cinema mudo, a estilo dos de Fritz Lang ou de Chaplin.
Os cineclubes ressaltavam a utilização pedagógica do filme de arte, instrução oferecida entre o écran, a película e o espectador, mediadores dos que foram especialmente, tantas vezes, como o amigo Linduarte Noronha e Wills Leal. Ai de nós, se não fossem aqueles dias semanais no Municipal e seus consequentes encontros … Não foi por menos que, quando mais recentemente fui Presidente da Academia Paraibana de Letras e da Fundação Casa de José Américo, criei, respectivamente, os cineclubes Verbo e Imagem e o Homem de Areia. A partir da segunda-feira passada, com esforço e perseverança do exímio professor Lúcio Vilar, as nossas antigas “quintas-feiras” dos “filmes de arte” voltaram à tona, numa programação até ontem, e anualmente contínua, nos dias do “Festival Aruanda”, livre, defeso de qualquer eventual cultura repressiva. Feliz deve estar Linduarte Noronha, por festival de tal nível se chamar de Aruanda.