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Blog do Vavá da Luz

FEIJOADA NA LAJE (MARCOS SOUTO MAIOR (*)

 

                Neste domingo, que o comércio inventou para enaltecer os pais, meus filhos e netos pediram uma reunião familiar alegre e descontraída na minha ‘laje’, no bairro de Manaíra onde moro! De imediato, saí com minha mulher Fabíola, pela feira livre mais perto do nosso apartamento, na escolha do melhor feijão preto possível, pedindo ao vendedor para tirar da saca o recipiente conhecido como ‘litro’, para encher os três quilos ‘bem pesados’, que seriam suficientes para dar início dos trabalhos de cozinha. Ainda na feira livre, escolhemos a cebola roxa, dentes de alhos, pimentão, coentro, folhas de louro, cominho, azeite, carnes de porco e de charque, paio e variadas linguiças. Já em casa, iniciou-se o catar de umas poucas pedrinhas e sujeiras decorrente do ensacamento da pérola preta da cozinha nordestina. No acompanhamento, simplesmente arroz, verdura, farofa e purê, puxado à refrigerantes e vinho para os mais velhos. Caprichei no que foi possível, até mesmo na arrumação das cadeiras e a corbelha de flores com seu natural cheiro, na mais tradicional refeição da família brasileira!

A partir do meio dia, eis que a turma foi chegando devagarinho, com as pessoas pequenas da família, arrastando sacolas de presentes pelo chão e, embora reclamando os presentes dispendiosos fui obrigado a vestir camisas, bermudas e até um par de chinelo que eu até estava precisando. Por todos os recantos, o cheiro da feijoada caprichada, pela minha cozinheira Jôsi expandia por todas salas, quartos, banheiros e a grande varanda de onde todos olhávamos o azul celeste das ondas mansas, do mar da famosa praia de Tambaú, tomando o caldinho tradicional.

Enquanto menino de calças curtas, não tive o direito de ter um cãozinho na pequena casa de meus pais, e a justificativa ficou a cargo de minha mãe Adélia, ao dizer que não havia espaços numa casa estreita e colada nos dois vizinhos aos lados. Cheguei a levar um vira-lata para nossa modesta casa, todavia minha inesquecível genitora mandou que eu desse a outra pessoa e, de modo inteligente, mamãe amenizou meu desapontamento, para firmar determinante: ‘quando fosse casado, aí sim, meu filho, você criaria os animais que desejasse, na sua casa’. Pois não é que nunca deixei de ter meus cãozinhos na minha casa residencial e, neste domingo, estavam presentes e soltos à vontade na nossa laje, sem latirem correndo entre as pernas dos netinhos e, cadeiras as redor da mesa do almoço, num alvoroço de felicidade.

Lá pelas tantas, minha netinha Maria Vitória, de apenas três aninhos, incendiou os demais, ao gritar que ‘na casa de vovô Marcos, tem uma bateria’, e a meninada subiu rápida até a laje, onde meu precioso instrumento musical estava armado para tocar, mas pegarem três pares de baquetas que se transformaram em seis, para todos baterem com força, num barulho ensurdecedor dos meus animados sete netos.

Com pureza de alma, confesso ter sido esta, a mais simples e animada reunião, no melhor almoço que ainda me deixei sentir o gosto puro do feijão preto, memorizada na minha retina onde, diuturnamente vislumbro o caminho seguro dos meus rebentos familiares. Emocionado que sou, degustei bons goles de vinho tinto seco, deixando o coração compassadamente palpitar, ao tempo de elevar à minha mente, pelo desejo ousado de poder e sempre renovar momentos sublimes de amor, respirando fundo e fechando os olhos, para tentar imaginar o valor maior da família, mesmo que a vida dependa dos limites determinados que não conseguimos avaliar. Pontualmente, ver, ouvir e falar, são instrumentos próprios do homem para entender os desígnios de Deus, na firme esperança de que o amanhã seja sempre de céu aberto e límpido. Afinal, a unidade familiar é a fortaleza daqueles que ultrapassam os limites do bem querer.

(*) Advogado e desembargador aposentado