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Blog do Vavá da Luz

Evolução histórica da cidade de Borborema – Ramalho Leite

Evolução histórica da cidade de Borborema – Ramalho Leite

ANTECEDENTES
Bananeiras, até 1827 pertencia a Vila de São Miguel da Baia da Traição ou
Vila de Mont Mor da Preguiça e, a partir de então, foi integrada ao território
da Vila Real de Brejo de Areia. Essa incorporação não demorou muito: em
10 de outubro de 1833, o presidente Antônio Joaquim de Melo sancionou
a lei que deu emancipação política ao município, que passou a ter sede na
Vila de Bananeiras. Essa lei tornou Bananeiras a segunda maior área
geográfica do Estado, “arrastando consigo os territórios de Guarabira, Cuité
e Pedra Lavrada” no dizer de Horácio de Almeida. Pelo texto da lei, porém,
está citada Serra da Raiz e, os seus limites chegavam à fronteira do Rio
Grande do Norte, com Araruna inserida, até 1877, quando conquistou sua
independência. A população de Araruna sempre reclamou a distância de
nove léguas entre o distrito e a sede municipal, onde “são obrigados a
prestar o serviço do júri, reunir colégio eleitoral e requerer qualquer ato
judicial”, pois, desde 1857 fora criada a comarca de Bananeiras. O Barão de
Mamanguape, senador do Império e Presidente da Província, assinou a lei
616 que criou a Vila de Araruna.

Nas décadas finais do Século XIX, o coronel Antônio Amâncio da Silva e sua
esposa Águeda Rodrigues Ramalho, ele nascido em Piancó e ela em Bonito
de Santa Fé por volta de 1856, deixam o sertão e se estabelecem no distrito
de Tacima, onde nasceria, 1880, o primogênito desse casal, José Amâncio
Ramalho. Seu pai era influente na política de Araruna e rico proprietário de
terras. O jovem, que conheceríamos no futuro como um grande
empreendedor, estudou em João Pessoa e depois foi concluir seus estudos
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na vetusta Faculdade de Direito do Recife, no ano de 1908, turma de que
fez parte o escritor, político e renomado brasileiro José Américo de
Almeida. Visionário desde a juventude, frustrado por não ter estudado
engenharia, José Amâncio, contudo, exerceria grande influência no
desenvolvimento econômico desta região, a começar por Araruna onde se
fixou inicialmente.

José Amâncio não havia concluído ainda o curso de direito. Convenceu os
políticos da Vila de Araruna a construir um Mercado Público, como meio de
organizar seu comercio e desenvolver o progresso daquela comunidade.
Ainda no ano de 1908, o bacharelando assinou um contrato com o Conselho
Municipal de Araruna para erigir aquele empreendimento. A Vila de
Araruna não dispunha mais do que dez contos de reis anuais. O Mercado
custaria cerca de trinta contos. José Amâncio resolveu bancar a construção,
dentro de algumas condições que lhe asseguravam a exploração dos
serviços por cerca de dez anos. A repercussão dessa iniciativa colocou o
empreiteiro em alta diante da sociedade ararunense, causando ciúmes aos
Targinos que, desde então, já dominavam o poder econômico e político da
Vila. O espaço político que José Amâncio tentava conquistar lhe foi negado.
Sua divergência com os Targinoslevou à rescisão do contrato de exploração
do Mercado. Um acordo foi celebrado e pelos quatro anos restantes, o
contratado recebeu quatro contos de reis de indenização.

“Idealista, corajoso, espírito criador e de acurada visão do futuro, Amâncio
trazia consigo os ideias de mudanças despertadas com a chegada do novo
século” diz Humberto Fonseca, traçando seu perfil. Por volta de 1914,
desfeita a sociedade com o Conselho Municipal de Araruna, José Amâncio
resolve buscar novos ares. Há um registro de que desde 1912, teria
comprado terras a um tal de João da Mata. O único que identifiquei, era
influente em Araruna e se tratava do capitão João da Mata Lins Fialho que,
detentor de posses nesta área, as vendeu a José Amâncio. O trem acabara
de aportar na Vila de Camucá e José Amâncio divisou novos horizontes onde
exercer seu espirito empreendedor. A essas terras, dr. Zé Amâncio, como
tornar-se-ia conhecido, denominou Boa Vista. Até 1943 chamou-se Camucá
e, finalmente, Borborema.
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UM DISTRITO DE DESTAQUE
O trem passaria dez anos tendo Borborema como sua parada final. Somente
depois de concluído o túnel da Serra da Viração, o comboio alcançou
Bananeiras, isto por volta de 1925. Alguns anos antes, em 1919, a sede
municipal passou a utilizar a energia elétrica. O distrito de Camucá, porém,
já estava iluminado pela iniciativa de José Amâncio Ramalho, criador da
Hidroelétrica Borborema. Daqui seria distribuído energia para sete cidades
do brejo. Uma barragem do rio Canafístula possibilitou essa inventiva
pioneira no nordeste, perdendo apenas para Delmiro Gouveia que
aproveitou as águas do São Francisco para uma pequena usina destinada à
sua fábrica de linhas. Depois surgiria Paulo Afonso.

O lago que se formou com o barramento do rio, invadiu terras e derrubou
casas que ficavam na sua margem. Ainda lembro que, nos anos mais secos,
a queda do nível da barragem deixava ver os alicerces das casas submersas.
Os proprietários foram indenizados. Descobri escrituras de terras
compradas a um pernambucano de Timbaúba, de nome José Cavalcanti e,
também do doutor Nuno Guedes Pereira, todas inundadas pelo açude.
Antônio Nogueira Campos, outro pioneiro, por igual teve terras cobertas
pelas águas. Para compensar as ruas desaparecidas, foi elaborado um novo
traçado da cidade, e o distrito ganhou avenidas largas e espaçosas que não
se vê em outra cidade da região. Essas ruas receberam a denominação dos
estados brasileiros. Eu, por exemplo, nasci na rua Amazonas, hoje Barôncio
Lucena. Tudo obra do desbravador José Amâncio Ramalho que tenho como
Fundador do Povoado de Boa Vista, depois Borborema, Camucá e
novamente Borborema.

Conseguida a energia, outros empreendimentos surgiriam. Os engenhos de
produção de rapadura e aguardente, somente a partir dos anos 1960
adotariam a energia elétrica como força propulsora, inclusive o Engenho de
José Amâncio, que ficava no pé da queda d´água e a dois passos da usina de
energia. Um pouco acima, foi instalada uma indústria de fécula e ainda um
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despolpadora de arroz. Dessas inIciativas de Amâncio, resta o bueiro da
fecularia. Sua sirene, acionada na passagem do trem por seu terreiro, ainda
ressoam em meus ouvidos. Nascido na beira da linha, foi o segundo som
que me chegou aos ouvidos. O primeiro, foi o grito da parteira mãe Luiza: é
homem. Nas minhas narinas, ainda sinto o cheiro da fuligem cuspida pela
Maria Fumaça.

O trem e a energia elétrica foram os dois alicerces propulsores do
desenvolvimento do distrito. Um comercio efervescente e um centro de
compra e venda de especiarias formou-se por aqui. A civilização do café e
os seus resultados nos bolsos do produtores, refletem ainda hoje no casario
antigo que se mantém intacto, merecendo tombamento do Instituto do
Patrimônio Histórico, para evitar sua descaracterização. Para montar a
usina elétrica, chegaram os alemães. Mecânicos dos melhores, depois se
estabeleceram para consertar e fabricar peças de engenhos e alambiques.
Frederico Kramer esteve aqui até 1922. Voltou à Alemanha e trouxe seu
irmão Harris que casou com uma Lucena, dona Alzira, chefe dos Correios
até se aposentar. Guilherme Groth completou o trio germano. Este foi
comerciante o tempo todo. Esteve em Borborema até 1936, quando se tem
notícia de venda de alguns imóveis seus ao dr. Zé Amâncio. Mudou-se para
Moreno (Solânea) onde ficou até que lhe queimaram a casa, após
afundamento de navios brasileiros pelas forças do Eixo. Chegou de volta à
Borborema em 1942 com os salvados do incêndio. Aqui se estabeleceu
fazendo de meu pai, Arlindo Rodrigues Ramalho, o seu sócio brasileiro.
Vendiam tecidos, ferragens, material de construção e até agua destilada
para encher bateria. Frederico, que em Borborema também negociou com
café, migraria depois para Natal e nos anos 1930, era o gerente da Usina
Borborema, em Bananeiras. Encontramos o registro de sua passagem por
esse emprego, no Livro de Tombo da Igreja de Nossa Senhora do
Livramento, em queixa do padre José Diniz, inconformado com a ação do
alemão cortando a luz da igreja a mandado do proprietário da Usina, sob a
justificativa de que caia a qualidade da energia publica quando eram acesas
as luzes da Matriz.

Nos anos 1940, com a grande guerra começando nos campos da Europa,
Borborema ganhou perfil no Censo Demográfico daquele ano, como
registrou Coriolano de Medeiros no seu Dicionário Corográfico da Paraíba:

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“Na Vila encontra-se a queda d’água da Canafístula, movimentando a usina
elétrica que fornece energia e luz à vila, à vila de Solânea e às cidades de
Serraria e Bananeiras. É servida de estação ferroviária, por agencia postal
e por duas escolas públicas primárias que tiveram 160 matriculados em
1942 e uma frequência média de 102. Segundo o recenseamento de 1940,
tem a vila 312 prédios urbanos, 8 suburbanos, 1.750 rurais e a população
urbana, 1.262 habitantes; suburbana 87 e rural, 3.419,”

A EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO
O registro de Coriolano Medeiros sobre a educação na Vila, demoraria a
sofrer alterações. Por muitas décadas, apenas o chamado curso primário, era
ministrado. A primeira professora nomeada pelo estado para atuar na cidade
foi Argentina Pereira Gomes que lecionou no Liceu Paraibano até perto dos
setenta anos, demorando a se aposentar. Seu nome batizou uma Escola de
Formação de Professores, na Capital. Fui seu aluno de português no Liceu e
ela, sabendo que eu aqui nascera, fazia questão de ressaltar esse detalhe do
seu curriculum: – Fui a primeira professora de Borborema, dizia orgulhosa.
As irmãs Jardim, dona Matilde, dona Laura e dona Aline, por muitos anos,
pontificaram na educação de muitas gerações. Fui aluno de dona Laura e de
dona Matilde. Na direção do grupo escolar quase se eterniza a professora
Jaldete Guedes Pereira de quem fui aluno no último ano do curso primário.
Mas a minha querida professora foi mesmo Carminha Costa. Dedicada aos
seus alunos, com ela não precisava comprar livros. Ditava as aulas que eu
copiava e depois meu pai passava a limpo. Minha primeira professora
chamava-se Maria Candido e teve um triste fim depois de um casamento
infeliz. Em Borborema, quem quisesse estudar mais, teria que se mudar. Eu,
por exemplo, fui exilado para Natal.

Somente nos anos 1970 foi criada uma unidade de ensino médio, a Escola
Comercial que consegui instalar através da Fundação Padre Ibiapina. Fui
diretor da Escola e o sr. Antônio Costa, seu secretário e professor de
contabilidade. Na administração do governador Dorgival Terceiro Neto
quando eu já era deputado estadual, estadualizei a escola. O prefeito
Amâncio Ramalho, conseguiu instalar o segundo grau. Está ai funcionando
a Escola Estadual Efigênio Leite e a partir dele, muitos jovens
borboremenses ingressaram no curso superior. Era esse o meu desejo,

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expresso quando da criação do colégio estadual: que os meus jovens
conterrâneos tivessem na sua terra, a oportunidade de estudo que eu não tive.
Para a história, gostaria de registar: fui o primeiro bacharel em direito
nascido na cidade. O primeiro médico foi Cícero Pereira que moarava em
casa vizinha à dos meus pais e, o primeiro odontólogo João Américo Pinto,
filho do comerciante Júlio Pinto. Hoje, com muita alegria sei que é difícil
contar os filhos desta cidade que conseguiram o grau superior.
O NASCER DE UMA CIDADE
Quando Solânea lutava pela sua independência, o dr. Zé Amâncio mandou
chamar meu pai para participar de uma reunião em sua residência. Chegando
lá, ele encontrou o vereador João Rocha, o advogado Alfredo Pessoa de Lima
e o professor Alencar, membros da comissão encarregada dos tramites
visando a emancipação do distrito de Moreno. Dr. Zé Amâncio tinha uma
proposta a fazer ao meu pai: se ele aceitasse que o Distrito de Borborema
fosse agregado ao Município de Solânea, seria nomeado primeiro prefeito do
novo município. Meu pai recusou a oferta e justificou que estava lutando
pela independência de Borborema. Solânea tornou-se cidade em 1953,
Borborema em 1959.

À época, a Assembleia Legislativa exigia do município sede, uma Resolução
que indicasse os limites da nova unidade a ser criada. A Câmara de
Bananeiras votou a Resolução 34/58 de 12 de dezembro de 1958,
autorizando o desmembramento e fixando os limites. Um projeto do
deputado Antônio Nominando Diniz foi transformado na Lei 2.133, de 18 de
maio de 1959, dando autonomia ao território do antigo distrito de Camucá.
A criação da Comarca de Borborema também constava da lei, todavia, um
veto parcial do governador Pedro Gondim negou a comarca e liberou a
cidade. Sua instalação ocorreria a 12 de novembro daquele mesmo ano, com
a nomeação e posse do primeiro prefeito, sr. Antônio Barbosa da Costa. Este,
ao lado de Arlindo Rodrigues Ramalho, Dionísio Pereira dos Santos,
Diógenes Pinto de Sena, Severino Leite Ramalho, Aristeu Uchoa Pinto, José
Luciano de Medeiros, Carmelo Gomes de Souza, Francisco Cardoso, José
Aguiar Bezerra e outros, representavam a comissão de frente da luta pela
emancipação política de Borborema.

Em 3 de outubro de 1960 foi realizada a eleição do primeiro prefeito,
recaindo a escolha, justamente, no vereador e servidor público Arlindo
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Ramalho. Seu vice Antônio Targino Leão venceu a José Aguiar Bezerra.
Meu pai obteve 338 votos sagrando-se prefeito contra as pretensões do
agrônomo Rubens Guerreiro de Lucena que alcançou 156 sufrágios. O
analfabeto ainda não votava.

A primeira Câmara Municipal foi composta dos seguintes vereadores:
Severino Leite Ramalho, presidente; Reginaldo Leite de Queiroz, José do
Carmo Ramalho, Cicero Ferreira da Silva, Dionísio Pereira dos Santos, Luiz
Galdino Ferreira, e José Luciano de Medeiros.

Naquele tempo as campanhas eram feitas a pé, ou a cavalo. Meu pai detinha
uma relação com os nomes de todos os eleitores, apelidos, parentesco e
residências. Mas lhe faltava o cavalo. O major Augusto Bezerra lhe
emprestou o animal e, montado nele, meu pai visitou todos os eleitores do
município, casa por casa. Anunciada a vitória, uma caravana motorizada
partiu de Borborema para Bananeiras, nos jeeps e caminhões disponíveis. À
época a cidade contava apenas, doze veículos. À frente da caravana, desde a
entrada da cidade, ia meu pai, montado no cavalo, ambos cansados da batalha
vencida. Todos desceram dos veículos e a caminhada foi até a casa do major
Augusto, onde o cavalo foi solenemente devolvido ao seu dono.

Com o nascimento da cidade, começa um novo capítulo da sua história.