“Meu querido, leia o Salmo 23. Imagino a sua emoção…”. Foi com essa frase que um amigo me deu um abraço depois de ouvir atentamente o relato que fiz de um sonho.
Após um dia cansativo com muitas atribuições, me deitei um pouco mais cedo do que o costumeiro e não demorei a dormir. Nada de insônia, de calor ou qualquer incômodo que tirasse a tranquilidade, quando me vejo saindo da Praça da Bandeira em um dia bem ensolarado. De tão claro tudo parecia reluzir. Não sei ao certo para onde ia, sei que estava subindo a parte enladeirada da Av. Getúlio Vargas justamente pela calçada esquerda (a do colégio das Damas) que tem sempre menos movimento. Na altura da antiga Faculdade de Administração e Contábeis da UEPB resolvo atravessar a rua, momento em que observava aquele robusto prédio com traços modernos, pergolados quebrando a entrada de luz e colunas externas aparentes. Desvio das motos estacionadas e no primeiro passo, olhando a calçada oposta, vejo uma pessoa e como n’uma cena típica dessas novelas de tv, tudo foi parando rapidamente e nada mais que de repente, sorri.
– Que saudade bicho! Falei comovido com os olhos repletos de lágrimas.
Ele alternava sorrisos com um semblante choroso, tentava balbuciar algo, mas não saía mais que uma ou outra puxada de saliva.
De repente estávamos em sua sala – ele no computador – e o diálogo mudo permaneceu como uma clara telepatia. Momentos depois, ele esboçava cansaço, a respiração do nada ficou ofegante. Toquei em seu ombro. Com semblante de desespero, ele queria chorar. Um tanto contrariado com a situação, acordei. Olhei para cima. Na escuridão do quarto, fiz o “pelo sinal” e fiquei pensando naquele grande amigo que partiu há alguns meses. Arrepiado pensei: “Ele veio me ver…” e me vejo novamente no sonho e ele continuava no computador. Um desequilíbrio e eu seguro em sua mão o impedindo de cair. Um pedacinho da unha do mindinho fica em minha mão, ele arregala os olhos (pareceu preocupado porque eu finalmente sabia que ele tinha pouco tempo) e sua imagem dá uma esmaecida. Seus ombros vão arqueando, o olhar fica triste, mas ele busca uma nesga de energia não sei de onde e sorri novamente. Não sei o que fazer, digo-lhe algumas coisas, relembro com alegria muitos dos momentos que vivi. Rapidamente parecíamos flutuar até o lugar do encontro. Tento o abraçar, mas suas pernas já não o sustentavam de pé. O abracei impedindo-o de cair, mas ele consegue se soltar e corre. Um barulho ensurdecedor me faz fechar os olhos, o tempo volta a fluir, os carros a passar, o vai e vem das pessoas, ele se foi, assim como o sonho.
Algumas pessoas mais íntimas podem saber a quem me refiro. Aqui não pretendo revelar. Nesse momento penso que no computador ele preparava uma lista de músicas para inspirar uma de nossas conversas de fim de tarde. Regada a vinho ou a cerveja, falávamos de amores antigos, de namoricos prementes. Tentou me ensinar a jogar xadrez. Aprendi muito com ele sobre música, entendi um pouco a velha boemia da cidade, sempre me dava ótimas dicas de informática e também de vida. Era separado, mas morava só porque queria. Curtimos muitos momentos (de festas, bares ao futebol) tristes e felizes e quem por algum acaso nos viu sorrindo como crianças e dançando na chuva, ele apoiado em um poste eu em outro – como na clássica cena de Gene Kelly no musical ‘Cantando na chuva’ (1952) – talvez não tenha reparado nas pouco mais de três décadas de idade que nos separavam.
Presente na ausência, presente na lembrança e no coração. Grande amigo, um dia iremos nos encontrar.
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