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DONA SILVINA ( MARCOS SOUTO MAIOR (*

)

                               A casa ia até quase no limite da calçada, separando um pequeno jardim de rosas, com pequena porta de única banda e com portinhola que era aberta para saber quem desejava falar. Ainda no restante da frente tinha um janelão que comportava três pessoas com os cotovelos acomodados em almofadas de algodão, para ver o sobe e desce das marinetes na ladeira da Rua Treze de Maio, da cidade de Campina Grande. Naqueles tempos, no início dos anos cinquenta, subia a Serra da Borborema para passar minhas férias escolares na casa de meus avós maternos. Contava os dias para chegar às delícias da garoa que começava depois do meio da tarde e esticava até às sete horas da manhã seguinte sob o império do sol nascente.

                               Eram tempos onde a escassa água era a dor de cabeça do povo, amenizado pelas carroças de rolimãs que vendiam baldes, vasilhames e latões com tampas. Este importante veículo sem motor era feito de pedaços de madeira maciça, num comprimento em torno de metro e meio, por cinquenta centímetros de largura. As rodas de possantes eixos de madeira com as pontas encaixadas em quatro rolimãs, duas encaixadas fixas atrás, e na frente outro eixo resistente que dava condições de desviar o carro dos obstáculos e das curvas das ruas. A simplicidade do freio ficava por conta de uma tábua fixada em duas dobradiças e uma mola de cada lado, aí o condutor pisava e o carrinho parava!

                               Num dia de muito trabalho na casa, Dona Silvina terminou a arrumação deixando almoço e janta só para completar os quitutes que preparava no fogão de ferro movido à lenha. O marido, Seu Miné, saiu para o trabalho e apenas o filho solteiro Adeíldo estava sentado na mesa para selecionar os papéis de suas atividades no Fisco.

                               Bateram à porta e a dona da casa, que estava passando por perto, foi atender, levando na mão um pedaço de pão, pois os pobres da seca sempre andavam pelas casas para pegar restos de comida! A portinhola foi aberta e Dona Silvina, de cara feia perguntou: “que é que o senhor quer aqui em casa”? A resposta de um vendedor de livros foi pontual: “Madame, peço licença para lhe apresentar uma coleção espetacular de livros de poesias brasileiras…” Ela nem deixou terminar a longa frase e foi logo dizendo: “Meu senhor, tenho o que fazer, o almoço está prá terminar e não tenho tempo para apreciar poesias não!”                     

E o diálogo entre a aspereza justificada da dona de casa e a insistência do vendedor, a fez bater a portinhola com muita força, quase pegando dedos e nariz do livreiro. Do lado de fora da casa, ela ouviu o vendedor dizer: “Ô mulher ignorante da gota…”.

                               Nossa heroína, silenciosamente, pegou uma trave de madeira que estava encostado à parede do lado da casa, abriu a porta e saiu de casa bradando: “Seu cabra safado, espere aí para eu lhe dizer quem é ignorante. Sou mulher, mas, não tenho medo de ninguém…” Nisso, o filho Adeíldo ouviu a discussão em gritos e saiu de casa para abraçar a mãe e trazê-la pra casa, com a tramela na mão.

                               Ao entrarem de volta para o almoço, somente o gato preto brabo, de olhos amarelos, chamado Veludo, ousou de longe, dar um miado sombrio de solidariedade, contudo, não ousou encostar-se às pernas de sua patroa, carinho que todos os dias fazia, principalmente na hora das refeições.

(*) Advogado e desembargador aposentado