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Di Aurélio, vi de novo! ( Thomas Bruno Oliveira )

  • Thomas Bruno Oliveira

Di Aurélio, vi de novo!

 

TEM QUASE SEIS anos que o amigo poeta Marco di Aurélio me deu uma preciosa informação sobre a existência de uma cruz entre o município de Boa Vista e o distrito de Catolé de Boa Vista, este pertencente a Campina Grande. Mas não é uma simples cruz, é um cruzeiro muito bem cuidado, conhecido popularmente como a ‘Cruz do Gavião’ erigida após a morte do cangaceiro Gavião que integrou o bando do guerreiro togado Augusto Santa Cruz, que em 1912 protagonizou uma das maiores guerras do Mundo-Sertão contra o governo da Província da Parahyba.

 

Marco di Aurélio e eu, confabulando na Livraria do Luiz

 

Diz a lenda, ou conta a história, que o “cabra Gavião” após ser preso, foi escoltado por policiais junto a outros presos e, por fim, de pés no chão, em uma vereda aberta, um caminho entre São João do Cariri e Campina Grande, foi libertado para a outra vida pelos praças que ocultaram seu corpo em meio à caatinga brava, arrodeado de macambiras e xique-xiques. Logo depois de encontrado, Gavião foi enterrado e a comoção fez com que ali edificassem uma cruz em sua homenagem. Nos anos que se seguiram, a benevolência dos seguidores do catolicismo nos Cariris Velhos tratou de assimilar o lugar que passou a receber ex-votos em agradecimento a graças alcançadas além de visitas constantes para orações.

 

A cruz repousava em meio à caatinga, há alguns metros de uma estrada poeirenta em que poucos veículos se aventuravam em passar. Hoje, depois de asfaltada, tem sido talvez o principal acesso ao Cariri, encurtando caminho não precisando seguir até a Praça do Meio-do-Mundo para tomar a BR de ligação 412. Assim, o acesso ao cruzeiro foi facilitado e eu sempre paro quando cruzo aqueles caminhos.

 

Certa vez, indo de Serra Branca para Campina: “deslizando devagar naquela noite enluarada, avisto a cruz de longe e resolvo diminuir ainda mais a velocidade para observar, estava a aproximadamente 30km/h e de repente, após o foco da luz mais intensa dos faróis ter passado pela cruz, vejo um vulto, uma mulher magra de cabelos compridos, com um vestido sem cor, mais pareciam farrapos. Ela ia se dirigindo à cruz e eu a vi de costas, pisei no freio atônito e não sabia para onde olhava, se para o retrovisor direito para confirmar ou virar o rosto para enxergar com mais nitidez. Da espiada no retrovisor e o consequente acendimento das luzes encarnadas atrás, vi que alumiou uma pessoa. No momento em que me viro, a sua carreira com os pés “batendo na bunda” ganhou a escuridão rapidamente. Controverso é que aquele trecho para além do acostamento é um leito de pedregulho imenso, impossível se mover ali com tanta velocidade”. Pessoalmente contei tudo ao poeta di Aurélio.

 

Pois bem, esses dias, vindo da cidade caririzeira de Gurjão, já à tardinha, parei uns dez metros adiante do cruzeiro. Desci do carro, espiei o vento soprar nos galhos ainda verdejantes da caatinga, ouvindo o uivar do tempo e o remexer de folhas, pássaros, calangos e, ali, a Cruz do Gavião. Sempre aproveito para fazer alguns retratos, o cair da tarde dava um ar ameno à paisagem, o azul celeste se desfazia com o clarão do sol na linha do horizonte e, de repente, o verde e cinza da mata acatingada toma conta, em contraste com o azul da cruz. No pedestal um sem número de ex-votos, santinhos de papel, fitilhos e benditos. É quando escuto uma voz feminina dizendo: “huúmmm?” como a me indagar algo, viro o pescoço na direção que eu achava que veio o som, ouço novamente. Procuro, nada vejo, a não ser um remexido no mato após a cerca onde a cruz antiga está apoiada. Naquele momento me veio um arrepio que cheguei a sacudir os braços, ombros e soltar os lábios, balbuciando um som quase equino. N’um é que me lembrei daquela moça vestida de farrapos a correr pelo pedregulho…

 

Emudecido, olhei para os quatro cantos, baixei a cabeça em reverência, fiz o sinal da cruz, caminhei lentamente (o que não quer dizer calmamente!) para o carro. Sentei, suspirei, fitei a cruz e entendi que ali tem uma energia que é impossível explicar, só sei que tem. Di Aurélio, vi de novo, ou melhor, dessa vez ouvi. Ave! Essas coisas de outro mundo, sei não…