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Crônicas juninas: Noite de São João

Cartão postal com retrato do Parque do Povo em 1986
 

É dia de festa! São João nos chega como antigamente. Faz muito tempo que em Campina Grande não chove tanto nesse período. Nos últimos anos, a quadra chuvosa não foi além de abril ou maio. Esse clima frio, chuvoso, essa névoa que nos impede de ver mais adiante, constrói o imaginário pelo qual a cidade se identificou. Nesse último mês, em pelo menos três semanas, tivemos chuvas constantes. Em alguns períodos do dia caía mais intensamente, em outros momentos era aquela chuva miúda, mas que molha, e molha e esfria. Temperaturas baixas para o que somos acostumados. Noite com quinze ou dezessete graus, é congelante. Daí o charme das roupas de frio e botas a desfilar pelo Parque do Povo e outros ambientes de festa. Nas redes sociais, muitas fotos de névoa e chuva com a legenda: “Campina sendo Campina”.

 

Mas não é só aqui que chove. Em Recife, no vizinho Pernambuco, e arredores, vem trazendo desgraça, já aqui no Cariri e Seridó vem enchendo açudes e barreiros, garantindo água em quantidade para enfrentar o próximo verão. Tive a oportunidade de no último sábado ir visitar o casal amigo Agenor Batista e Dona Corrinha em Juazeirinho e me impressionou a explosão de vida na caatinga. Vi campos de malva amarela arrodeando facheiros e mandacarus, vi também muita água empossada nos aceiros, em tanques e vários açudes que “pegaram água”. Milharais pelos baixios e subindo serrotes, feijão espalhando suas ramas pelos espaços, coisa bonita de se ver. Vários sítios com dificuldade de acesso por conta das estradas estragadas pelas águas, o barro escorregadio que impede o trânsito, mas esse nunca foi o maior dos problemas, é como me disse “Véi de Agácio”, lá do Sítio Salgadinho de Gurjão: “Problema é quando não chove…”.

São Juá 2022 – Juazeirinho-PB
 

É dia de São João! As casas de shows apresentam grandes atrações da música nacional, apesar de muita coisa intrusa, estranha ao forró; o Parque do Povo também ostenta o status de “quartel general” d’O Maior São João do Mundo, a Vila Sítio São João, Vila do Artesão, Maria Fumaça, Casa de Cumpade, Fazenda Santana, Galante, todos esses lugares ficam lotados como tem ocorrido nos dois primeiros fins de semana, é gente que não imagino de onde saiu, parece ter brotado com a chuva. O trânsito parece borbulhar, que tanto carro é esse minha gente? Antes dava para se ter ideia da origem através da placa dos veículos, observei atentamente em vários anos carros de todo o país, hoje com essa placa nova (e estranha!) não é mais possível.

 

Confesso que a chuva e o frio têm contido meu ímpeto de sair de casa, além desse fantasma pandêmico que insiste em nos assombrar. Mas é véspera de São João e nesse dia, não se sai para canto nenhum, não é? É momento de reunir a família ao redor de uma fogueirinha, de compartilhar comidas de milho, de se achegar aos vizinhos, pequenas confraternizações que juntas dão vida à rua. A criançada com seus traques e bombas, as roupas coloridas, muitas em xadrez; os tecidos de chita enfeitando a frente das casas, lanternas e balões como lustres, o cheiro de milho invadindo nosso ser, o estalado da lenha à queimar e tudo isso ao som do melhor do nosso forró: é o rei Luiz Gonzaga, Flávio José, Jackson do Pandeiro, Assisão… em outras casas, as bandas mais modernas de forró, um som que vai se misturando ao subir e descer a rua, alegria e animação, uma celebração da colheita que esse ano foi acima da média, pois é, dia de São José choveu demais, prenúncio do sertanejo para um bom período chuvoso. No horizonte, a cortina branca que esconde a noite não se sabe se é de chuva ou do fumaceiro das fogueiras nas capoeiras.

 

É véspera de São João e o dia amanhece bem ensolarado, muito diferente dos anteriores em que o sol aparecia tímido e atrasado. Hoje trouxe sua explosão nos dando calor já às seis da manhã. Mas será que hoje vai ser estiado? Perguntou minha Mãe. Respondi: “Não sei, não tô confiando muito nesse sol não…”. Não deu oito horas e nuvens cinzas apagaram o azul do céu e o sol, novamente escondido, parece não querer enfrentar a chuva. O terreiro está sendo armado, tudo minunciosamente bem arrumado. Com chuva ou sem chuva, estamos preparados para curtir a noite mais importante do ano, onde a tradição dá todo sentido a nossa identidade cultural, um clima em que, inclusive, relembramos não só as festas de antigamente, como todos aqueles que nos deixaram, em um festejar onde a memória exerce um papel fundamental.

 

Festejar São João é celebrar fartura, a cultura, a tradição, a vida. Que venha mais uma noite junina e que seja bem especial. Viva São João!